O dia em que uma avioneta amarou na Cova do Vapor

Piloto tentou poisar num areal pouco frequentado, mas não conseguiu. Do acidente de há dois anos não resultaram vítimas.

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O acidente de ontem em S. João da Caparica fez dois mortos, uma criança e um militar da Força Aérea que estava na reserva LUSA/ANDRE KOSTERS

Há dois anos houve uma avioneta que teve de poisar de emergência na foz do Tejo, junto à Cova do Vapor, num acidente com contornos semelhantes ao que sucedeu ontem na Caparica. Mas apesar de ser Agosto o piloto só não pousou no areal – que ali é pouco frequentado por banhistas – por não conseguir.

Era Agosto e também esta aeronave, um Cessna FR172H, saiu do aeródromo de Tires e usou a mesma rota da avioneta que ontem poisou na praia repleta de gente da Caparica, matando nessa operação de emergência duas pessoas. Já do voo de há dois anos não resultaram vítimas.

Dirigido por um piloto experiente, o voo contava com um segundo tripulante e destinava-se a fazer publicidade aérea. Uma manga de publicidade ia pendurada na cauda do aparelho. “Com 35 minutos de tempo de voo, após abandonar Caxias e a cerca de 2 milhas náuticas da povoação da Cova do Vapor, a cerca de 600 pés [200 metros] de altitude, começou a dar indícios de uma anomalia associada à potência do motor”, descreve o relatório preliminar do acidente feito pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA) “O piloto aos comandos efectuou várias tentativas de recuperação mas sem sucesso. Já sobre terra, tomou a decisão de voltar pela esquerda em direcção a um terreno adjacente aos silos da Trafaria."

A tão baixa altitude, a aeronave corria o risco de se espatifar contra os silos. Largou a faixa publicitária pouco antes de o motor parar por completo, com um estrondo. O piloto tinha poucos segundos para tomar uma decisão. O relatório oficial dos acontecimentos descreve com a sobriedade própria de um documento oficial aqueles que devem ter sido os piores momentos da vida dos dois homens: sem a manga e com vento de cauda a aeronave ganhou velocidade. “A aproximação aos silos bem como a distância disponível para a aterragem tornaram-se críticos, pelo que o piloto voltou pela esquerda com o intuito de tentar aterrar com o vento pela frente”, pode ler-se.

A avioneta continuava, porém, a cair. Já não era possível alcançar a praia. Restava tentar poisar na água. Dos procedimentos indicados para este tipo de situações faz parte a abertura das janelas e o destrancamento de portas durante a queda, por forma a que quando se dê o embate a água possa entrar dentro da aeronave, estabilizando-a. Só que como as portas nunca podem ser aberta durante o voo, depois da queda acaba por não ser fácil abri-las a partir de dentro, por causa da pressão da água.

O Cessna ficou a escassas duas dezenas de metros do areal e os dois tripulantes acabaram por conseguir sair de lá de dentro pelos seus próprios meios, muito embora o piloto tivesse perdido a consciência durante alguns minutos, ficando atordoado. Um saiu pela porta, o outro pela janela, que teve de ser quebrada. Foram socorridos por pescadores que se encontravam nas proximidades.

Não tinham levado coletes de salvação – nem a lei a isso obriga, até porque as vantagens do seu uso podem ser contrariadas pelo risco que implica sair o mais rapidamente de um avião submerso ou semi-submerso com este equipamento posto. Mesmo assim, o relatório chama a atenção para essa falha: “Este acidente realça a importância da presença de dispositivos de flutuação pessoal a bordo para este tipo de trabalho aéreo.”

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