Encontrados nos Açores fósseis de uma nova ave já extinta

Antes da sua colonização, o arquipélago açoriano teve espécies que nunca conhecemos. Chega agora até nós o priolo-maior-dos-açores (só em fóssil) descoberto numa pequena gruta de um vulcão na ilha Graciosa e que pode ter sido extinto pelos seres humanos.

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Reconstituição do priolo-maior-dos-açores Pau Oliver

Em tempos, houve uma ave que habitou a ilha Graciosa, no arquipélago dos Açores. Em toda a imensidão do oceano Atlântico, uma das ilhas mais pequenas deste arquipélago (cerca de 62 quilómetros quadrados) e aquela que está mais a norte do grupo central era a única casa dessa ave. O seu bico era pequeno mas largo. Voaria como um outro priolo seu parente, que vive hoje na ilha de São Miguel. E até se diz que o crânio dessa ave era o maior de todas as do seu género. Mas quando os seres humanos começaram a colonizar os Açores e espécies invasoras se instalaram lá a sua vida foi destruída. Terá sido este o seu fim.   

Tudo isto só se soube agora, através de um artigo científico na revista Zootaxa, depois de um grupo de cientistas de Portugal (com Fernando Pereira, da Universidade dos Açores), Espanha e dos Estados Unidos ter encontrado os ossos desta ave na Furna do Calcinhas, uma pequena gruta situada na Caldeira, um vulcão no Sudeste da Graciosa. A Pyrrhula crassa (com o nome comum de priolo-maior-dos-açores) é assim uma nova espécie de ave passeriforme (ordem da classe das aves).

Algures no Sudeste da Graciosa, em sedimentos do vulcão da Caldeira, que tem 12 mil anos, havia vários ossos de uma ave. Eram sobretudo ossos do crânio, mas também úmeros ou um coracóide. O próximo passo foi comparar esses ossos fossilizados com os de outras três espécies do género Pyrrhula (para se perceber que ave seria), que ainda existem: a Pyrrhula pyrrhula (ou dom-fafe, da Eurásia), a Pyrrhula murina (ou priolo, só dos Açores) e a Pyrrhula erythaca, da Ásia.

A partir dos fósseis encontrados, reconstituiu-se a mandíbula e percebeu-se que era mais larga do que as das restantes espécies do género Pyrrhula. Pela sua robustez, agora tem o nome científico Pyrrhula crassa, afinal, crassa em latim significa “grosso”. Através de outras comparações, viu-se, por exemplo, que o úmero da nova espécie é mais longo cerca de 24% do que o da Pyrrhula pyrrhula. A mandíbula da nova espécie também é 23% mais longa do que a da Pyrrhula murina. Percebeu-se então que os seus ossos são maiores e mais robustos do que os dos seus familiares Pyrrhula pyrrhula e Pyrrhula murina.

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À esquerda, a reconstituição do priolo-maior-dos-Açores e, à direita, o seu crânio e mandínbula Pau Oliver

Também devido às comparações, pensa-se que a Pyrrhula crassa deveria ter uma capacidade de voo semelhante à do priolo de São Miguel (ou Pyrrhula murina). As estimativas do peso e tamanho dos ossos da asa sugerem que ele deve ser uma espécie voadora, embora um voo deve ser algo pesado”, diz-nos ainda Josep Alcover.

O investigador indica que o peso desta ave deve rondar os 50 gramas. Já a dimensão e a forma do bico sugerem que teria a mesma alimentação dos seus parentes, como pequenas sementes, bagas e frutas.

“O Pyrrhula crassa é, nos Açores, o segundo priolo endémico [que só vive ali] e o primeiro fóssil de um passeriforme endémico descrito até agora”, lê-se no artigo. Até então, a única espécie do género Pyrrhula nos Açores era a Pyrrhula murina, de São Miguel. “O seu bico pequeno e largo não é apenas consideravelmente maior, mas também relativamente mais alto do que o do priolo comum, de São Miguel, que tem uma configuração robusta que lembra a extensão do bico de um pequeno papagaio”, descreve Josep Alcover, do Instituto Mediterrânico de Estudos Avançados, em Maiorca (Espanha), e coordenador do trabalho, num comunicado da Plataforma SINC, agência espanhola de notícias de ciência.

A Pyrrhula murina que ainda continua a viver só em São Miguel está classificada como “vulnerável” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês), devido à expansão da agricultura e à redução da floresta laurissilva.

O que lhe fizeram os humanos?

Na Macaronésia (Açores, Madeira, Selvagens, Canárias e Cabo Verde) têm ocorrido uma série de extinções de espécies endémicas. Nas Canárias e na Madeira já tinham sido detectadas extinções de aves passeriformes. Agora foi a vez dos Açores. “É a primeira espécie de uma ave passeriforme descrita no arquipélago, e não deve ser a última”, salienta Josep Alcover no comunicado.

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Em cima, o dom-fafe ( Pyrrhula pyrrhula ) e, ao centro, o priolo comum ( Pyrrhula murina ), duas aves que ainda hoje existem. Em baixo, o priolo-maior-dos-açores ( Pyrrhula crassa ), que foi agora identificada Pau Oliver

“De acordo com essa informação [das espécies extintas da Macaronésia], as actuais comunidades de passeriformes das florestas das ilhas Canárias têm perdido elementos endémicos desde a chegada dos seres humanos. Vindas do Norte de África, populações aborígenes chegaram ao Leste das Canárias antes do ano 313 d.C.”, refere por sua vez o artigo científico. Tudo indica que a chegada de humanos à Madeira e aos Açores também tenha tido os mesmos efeitos.

Estes dois arquipélagos foram ocupados pelos portugueses durante o século XV, embora se pense que os Vikings os tenham visitado antes. Este povo pode mesmo ter levado os ratos domésticos para as ilhas. Josep Alcover, que também participou num estudo publicado em 2014 na revista Proceedings of the Royal Society B, dizia na altura: “A introdução dos ratos resultou provavelmente numa catástrofe ecológica, com a extinção de aves endémicas e a modificação da ecologia da ilha 400 anos mais cedo do que se pensava até agora [antes da chegada dos portugueses].”

Os cientistas sugerem que a colonização dos humanos, a introdução de plantas invasivas e a redução da floresta laurissilva pode também ter levado à destruição dos habitats da nova espécie Pyrrhula crassa. E ela não foi a única ave que não chegou até nós. É já a quinta espécie de ave endémica dos Açores que só conhecemos através dos fósseis. Até agora, já conhecíamos uma espécie de mocho e três de frangos-d’água. Que Açores e a sua vida de outros tempos estarão ainda por descobrir?

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