Enquanto isso, o país arde

Recuemos a 2003: a oposição acusava a maioria PSD/CDS de esconder factos importantes no relatório sobre os incêndios do Verão desse ano. Nada de novo, portanto. Enquanto isso, o país arde.

Foi por inabilidade política que se criou a desconfiança ou a percepção de que o número oficial de vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande não correspondia à realidade. Se a lista final de vítimas tivesse sido revelada (como aconteceu no colapso de Entre-os-Rios) os partidos estariam hoje empenhados em discutir porque é que o SIRESP continua a falhar, porque é que aldeias continuam a ser evacuadas e porque é que o interior do país continua a arder como ainda arde na Sertã, Vila Velha de Ródão ou Mação. Ou, já agora, como se explica que seja necessário apelar à população para abandonar as residências numa cidade como Setúbal, próximas de um hospital?

A dimensão da tragédia e a condução desajeitada que se seguiu aos incêndios de Pedrógão, a concentração da informação sobre fogos na Autoridade Nacional de Protecção Civil, e a opção por nem disponibilizar informação sobre as vítimas mortais nem pedir o levantamento do segredo de justiça ao Ministério Público (MP) deram o mote da “lei da rolha” e da falta de transparência. O tema ter-se-ia esgotado se a lista tivesse sido revelada há mais tempo. Enquanto isso, o Governo continuará a ser censurado por se ter instalado a ideia de que nem tudo foi esclarecido? Veremos.

Não se espera que António Costa seja alvo de outra censura. Por muito que Assunção Cristas afirme que a pondera, a oposição não vai avançar com uma moção de censura e vai preferir queimar o Governo em lume brando, como o tem feito Hugo Soares. O revigorado líder parlamentar do PSD está apostado em não deixar que o Governo entre em modo avião e vá de férias, mas talvez tenha perdido a boleia. A oposição viverá sempre melhor com a acusação de que o Governo tinha algo a esconder, ou que não foi devidamente transparente com os familiares das vítimas e com o país, do que com os efeitos colaterais de uma moção de censura inútil (que só António Costa poderia aproveitar).

Com os papéis invertidos, o mais provável é que o jogo “político-partidário” fosse jogado, precisamente, da mesma maneira, mas com o PCP e o Bloco a questionar a falta de transparência governamental. Recuemos a 2003: a oposição acusava a maioria PSD/CDS de esconder factos importantes no relatório sobre os incêndios do Verão desse ano. Nada de novo, portanto. Enquanto isso, o país arde.

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