Ensino médico privado, não, sim, talvez...

Far-se-ia história se o atual Governo criasse uma janela de oportunidade ao ensino privado de Medicina.

Há em Portugal uma inaceitável realidade: ano após ano, num Serviço Nacional de Saúde de estrutura, processos e resultados quase exemplares, não se consegue colocar médicos onde estes fazem falta! É o que se verifica no interior Norte, no Algarve e em zonas mais periféricas, em que largas dezenas de lugares para as carreiras médicas, criados pelo Estado, não são preenchidos...

Trata-se de uma situação negativa, socialmente injusta, que é necessário resolver e que prejudica milhares de cidadãos, particularmente os mais vulneráveis e economicamente mais frágeis. Paradoxalmente, dizem os entendidos que são excessivos os mais de 1400 estudantes que anualmente ingressam nos cursos de Medicina das universidades públicas.

Convenhamos que para os 750 mil portugueses sem médico de família, ou para aqueles que não têm acesso a consultas de algumas especialidades, a questão da falta de médicos é obvia. Trata-se de uma “aberração” sistémica, arrastada ao longo do tempo, que tem por base vícios ao sabor de interesses, agravada pelo pluriemprego médico (de alguns) nas grandes metrópoles, e que viu acentuar-se nos anos da crise uma inadequada distribuição dos médicos. Nestas circunstancias, o acesso à Saúde está inequivocamente condicionado!

No ensino médico, as faculdades de Medicina têm beneficiado da ausência de concorrência privada, e poderia havê-la com qualidade! Uma unicidade conservadora que tem fundando injustificáveis poderes de veto ao ensino social/privado da Medicina, numa visão egocêntrica, de protecionismo (falso) muito ancorado no centralismo a vários níveis.

Nos últimos meses têm sido notícia os muitos concursos para médicos especialistas, que têm ficado desertos. Segundo dados do Ministério da Saúde, no último concurso 74% das vagas no sul do país ficaram por preencher. O Ministério da Saúde anunciou já em 2017 que existem “21 agrupamentos de centros de saúde e 17 centros hospitalares carenciados de médicos em 30 especialidades”, para os quais foram disponibilizados incentivos que vão até 40% do vencimento.

Apesar deste esforço público, sabe-se que poucos médicos os têm aceitado. Mas não faltam apenas médicos no SNS. Com as devidas especificidades e diferenças, faltam também médicos no setor social e no privado! Ora, enquanto se mantiver esta situação será praticamente impossível fazer chegar os médicos especialistas às periferias e ao interior.

Julgo ter chegado o momento de os decisores ultrapassarem o “status quo” dotando Portugal dos médicos de que os portugueses precisam. E, entre as várias decisões, estarão a abertura de faculdades de Medicina ao sector cooperativo/privado, bem como a revisão de políticas de formação de médicos especialistas. Ou, no limite, recuperar para o Estado a decisão final na atribuição de idoneidade formativa nos hospitais públicos e privados, obviamente com a devida salvaguarda da participação dos médicos, num novo contexto de maximização da cooperação inter-hospitalar, regulamentando-a segundo as caraterísticas dos diversos hospitais médico-cirúrgicos e polivalentes. Por exemplo, pela criação de planos de formação médica inter e multi-hospitalar para obviar a situações de poucos médicos especialistas graduados em unidades mais pequenas.

Após 43 anos de vida democrática, não há qualquer razão defensável para que a única área de ensino superior vedada à sociedade civil seja a Medicina.

O ensino da Saúde tem grande potencial exportador. Por exemplo, na CESPU, Crl, que se dedica em exclusivo ao ensino de ciências da saúde, 32,71% dos estudantes são estrangeiros e, destes, 93,1% são europeus, sobretudo franceses, espanhóis e italianos. Ensina-se em três línguas: português, francês e inglês. Em Medicina Dentária, os estudantes de outros países europeus são quase tantos como os portugueses. Julgo ser meritório que uma cooperativa como a CESPU tenha avançado para um Mestrado Integrado em Medicina, decidindo fazer cá dentro aquilo que inúmeras universidades privadas fazem há décadas lá fora.

Far-se-ia história se o atual Governo criasse uma janela de oportunidade ao ensino privado de Medicina, e neste se inovasse metodologicamente no ensino médico, pela maior envolvência de hospitais e agrupamentos de centros de saúde. Os seus quadros médicos mais graduados têm uma experiência clínica que poderia garantir, em parceria com os docentes da academia, um ensino de qualidade, mais prático, mais humano.

Não admira, portanto, a conclusão a que chegou o Forum para a Competitividade: deve-se abrir o mercado da formação graduada em saúde à iniciativa privada, autorizando faculdades de Medicina privadas com grande qualidade!

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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