Ian Curtis no Rivoli, Hijikata Tatsumi no Maria Matos e outras assombrações da rentrée

Novas peças dos coreógrafos Christian Rizzo e Marcelo Evelin e um acontecimento, a estreia em Portugal do teatro de combate do International Institute of Political Murder, na agenda dos teatros municipais para os últimos meses de 2017.

Foto
Le Syndrome Ian abre, a 15 de Setembro, a temporada do Teatro Municipal do Porto Rivoli MARC COUDRAIS

Há um antes e um depois de Ian Curtis na história pessoal de Christian Rizzo e, acredita o coreógrafo e bailarino francês, na história colectiva da dança tal como a conhecemos das pistas, intermitentemente iluminada por luzes strobe. Várias décadas depois, ainda somos corpos sob o efeito dessa “voz eléctrica (e epiléptica)”, corpos em transe, de olhos fechados, mais ou menos taquicárdicos, noite após noite após noite após noite - pelo menos na peça com que o director do Centre Choréographique National de Montpellier abre, a 15 de Setembro, a temporada do Teatro Municipal do Porto Rivoli – Campo Alegre. Último capítulo da trilogia que o levou a visitar, primeiro, as danças comunitárias de raiz folclórica (D’après une Histoire Vraie, que trouxe ao Porto em 2015) e, depois, as danças de casal (Ad Noctum), Le Syndrome Ian reinscreve no corpo de trabalho de Rizzo uma prática que o próprio admite ter-lhe sido constitutiva, a das danças nocturnas, de discoteca, expandindo, a partir da imersiva banda sonora criada por Pénèlope Michel e Nicolas Devos, a sua reflexão sobre as tangentes entre danças de autor e danças anónimas.

Mas se Ian Curtis (1956-1980) é o irresistível fantasma da rentrée no Rivoli, várias outras figuras fundadoras assombram a temporada do Maria Matos, a começar pelo compositor norte-americano La Monte Young (n. 1935), a quem Étienne Jaumet, Sonic Boom e Céline Wadier prestarão tributo a 13 de Setembro, e pelo criador do butoh, o coreógrafo e bailarino japonês Hijikata Tatsumi (1928-1986), cujo universo domina Dança Doente, regresso do brasileiro Marcelo Evelin após duas peças difíceis de esquecer, Matadouro e De repente fica tudo preto de gente. E num trimestre em que o Maria Matos se atira de cabeça para o trauma persistente da Guerra Colonial, com a estreia de novo capítulo do projecto Hotel Europa, de André Amálio, agora centrado nos movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, uma outra experiência-limite irromperá pelos teatros municipais de Lisboa e Porto quando um conjunto de crianças com idades compreendidas entre os oito e os 13 anos ali for contar a história do pedófilo e assassino belga Marc Dutroux. Pode ser um dos acontecimentos teatrais do ano, o regresso a Portugal do International Institute of Political Murder do dramaturgo suíço Milo Rau, colectivo que já tratou em palco episódios tão traumáticos quanto o julgamento de Nicolae Ceausescu, o genocídio no Ruanda, a Primeira Guerra Mundial ou a actual crise dos refugiados; Five Easy Pieces (16 e 17 de Setembro no Maria Matos, 22 e 23 de Setembro no Campo Alegre) parte da reconstituição parcial de uma vida monstruosa para questionar assuntos proibidos como a relação das crianças com a violência e o sexo.

Mais à frente, o Teatro Municipal do Porto apresenta ao público português mais uma figura a seguir da dança internacional, a sul-coreana Eun-Me Ahn, que trará ao Porto Dancing Grandmothers (3 de Novembro), e põe-no de novo em contacto com a brasileira Lia Rodrigues, olhos nos olhos com o fim do mundo em Para que o céu não caia (8 e 9 de Dezembro). Entretanto, em Lisboa, o Maria Matos recebe Peter Evans com a versão expandida do quinteto com que gravou o seu último disco, Genesis (31 de Outubro). Num teatro como noutro, isto é só um best of dos últimos meses de 2017: do muito mais que está para acontecer de Setembro a Dezembro haverá notícias depois das férias.

Sugerir correcção
Comentar