Nas eleições de Timor-Leste, é ainda a geração da resistência quem manda

As personalidades que lutaram pela libertação timorense continuam a exercer grande influência sobre os partidos que se apresentam este sábado às eleições legislativas.

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O ex-Presidente Xanana Gusmão foi presença assídua durante a campanha do CNRT Nuno Veiga / LUSA
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Ex-combatentes como Mari Alkatiri, secretário-geral da FRETILIN, continuam a ter muita influência na política timorense Antonio Dasiparu / EPA

Os timorenses chamam-lhe Festa Demokrasia, a festa da democracia, e o termo não podia ser mais apropriado quando se vêem os comícios das últimas semanas de campanha eleitoral. Milhares de pessoas com T-shirts coloridas, empunhando bandeiras, a dançarem ao som da música enquanto aguardavam pelo discurso dos líderes partidários, quase todos ex-guerrilheiros reverenciados pela jovem democracia. A independência de Timor-Leste foi há quinze anos, mas as eleições legislativas mostram que o país continua agarrado à época da resistência.

São mais de 20 os partidos que se apresentam às eleições deste sábado – um número extraordinário num país com 1,2 milhões de habitantes. Mas, na verdade, não são as suas ideias ou programas eleitorais que os definem, quando comparados com as figuras que sobem aos palanques dos comícios. Cada partido tem o seu ídolo histórico. Os apoiantes da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (FRETILIN) aguardavam pelo discurso de Mari Alkatiri, o secretário-geral e ex-combatente da guerrilha durante a ocupação indonésia; para os militantes do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), o antigo Presidente Xanana Gusmão era a personalidade mais esperada.

“A geração que esteve ligada à luta continua a dispor de um ascendente político muitíssimo grande”, diz ao PÚBLICO por telefone Rui Feijó, que foi investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. Mais do que os programas ou as propostas, é este património histórico que estará na mente da maioria dos 700 mil eleitores chamados às urnas. As eleições presidenciais de Março deram a vitória a Francisco Guterres “Lu Olo”, também ele um antigo guerrilheiro.

Há um forte consenso entre os principais partidos sobre o rumo que Timor-Leste deve seguir. Tem sido essa particularidade que tem permitido a emergência de grandes coligações governamentais. O executivo actualmente no poder, por exemplo, é composto por elementos das quatro forças políticas representadas no Parlamento.

Seguir os heróis

Rui Feijó, que também trabalhou como assessor de Xanana enquanto este foi Presidente, descreve desta forma o processo de voto dos timorenses: “São os irmãos mais velhos e a malta vai votando neles e espera que eles se entendam.” O especialista em política timorense diz que esta dependência dos partidos em relação a figuras históricas mostra que, 15 anos depois da independência, “o quadro partidário não está ainda consolidado”.

Pode parecer paradoxal a força destas figuras tutelares, que se notabilizaram durante as mais de três décadas de resistência contra a ocupação indonésia após a retirada portuguesa, em 1975, todas elas com mais de 60 ou 70 anos, num dos país mais jovens do mundo (a média de idades da população é de 18,8). “É uma sociedade que continua muito voltada para a celebração dos seus mártires, dos seus heróis, que venera os que ainda estão vivos, e a camada jovem é muito formada nesses princípios”, explica Feijó.

Apesar de não haver sondagens, é expectável que a FRETILIN e o CNRT voltem a ser os partidos mais votados e reeditem a coligação governamental. Mas há vários factores de incerteza que podem complicar a paisagem política timorense. Há, desde logo, uma elevada quantidade de eleitores que vota este sábado pela primeira vez – cerca de 20%, de acordo com alguns cálculos. Com 17 anos, a idade legal para votar, não têm memória da ocupação. Um estudo da Asia Foundation e do International Republic Institute indica que havia também um elevado número de indecisos (42%) a poucos dias das eleições. “Os eleitores jovens vão ajudar a decidir estas eleições, e a sua lealdade está ainda por definir”, concluem os autores de um artigo na revista The Diplomat.

Feijó está interessado na performance de um novo partido, o Partido de Libertação Popular (PLP) fundado por outro ex-Presidente, Tatar Matan Ruak, muito crítico do actual Governo. “É a grande novidade e toda a gente está ansiosa por saber os resultados que irá conseguir”, diz o investigador. O partido juntou milhares de pessoas num comício nos arredores de Dili no último fim-de-semana e é visto como um provável beneficiário do voto de protesto.

Ao contrário dos seus principais adversários, o PLP não está ligado a qualquer das personalidades ilustres da resistência – apesar de ter combatido, Matan Ruak é de uma geração mais nova do que a de Xanana ou Alkatiri. O grande objectivo é trazer para o debate político as políticas do quotidiano, como a economia, a educação ou o emprego, em detrimento da memória histórica, diz Feijó. “O peso do PLP será correspondente ao peso que essas preocupações venham a ter.” A excessiva dependência económica do petróleo (corresponde a 90% das receitas orçamentais) é um desses assuntos que preocupa vários observadores.

Nova gerações?

E onde estão as novas gerações de políticos pós-resistência? O ex-assessor de Xanana diz que há já dez anos que ouve falar de “iniciativas para formar essa nova geração”, como por exemplo a nomeação do actual primeiro-ministro Rui Maria Araújo. Mas esse processo parece estar estagnado, embora não seja por falta de bons quadros, esclarece Feijó. O problema, diz, é que não há sinais de que os “pais” do regime queiram “passar a pasta”.

Mas na jovem democracia timorense, a política é feita de uma forma muito particular e a informalidade é ainda o modo de actuação. Um exemplo dado por Rui Feijó: “Em 2007, quando Ramos-Horta foi eleito Presidente, escolheu para chefe de gabinete o director da campanha adversária, que era seu amigo pessoal.”

Feijó não acredita que daqui a quatro anos a política timorense deixe de estar focada nos combatentes da resistência e do seu legado. “Gostaria que estivéssemos noutra fase, mas temo que estaremos na mesma.”

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