Medicina estética: a seringa antes do bisturi

Com a área da estética, em geral, numa rota de ascensão, são os ditos procedimentos minimamente invasivos que mais rapidamente têm crescido.

Aos 49 anos e trabalhando com figuras públicas, Isabel, consultora de comunicação, sentiu que precisava de manter uma aparência jovem. A pele estava a “perder firmeza”, a ficar pouco luminosa, a denunciar a passagem do tempo. Não pensou sequer numa intervenção cirúrgica, mas em combater o envelhecimento através de métodos menos invasivos, como um peeling.

Isabel não é a única, são sobretudo as mulheres, mas também há homens, que optam por recorrer à medicina estética para travar a passagem do tempo ou mesmo, entre as clientes mais jovens, para esbater manchas ou imperfeições da pele. Biscaia Fraga – cirurgião que dirige o departamento de cirurgia plástica, da cabeça e do pescoço do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental – conta que há dez anos a maioria dos procedimentos (entre 80 e 90%) que fazia eram cirúrgicos e que hoje, na clínica com o seu nome, tem alargado a equipa a profissionais de áreas como a dermatologia estética e a fisioterapia porque o número de cirurgias e o de outros procedimentos está equilibrado.

Apesar de não ser ainda reconhecida oficialmente como uma especialidade ou subespecialidade pela Ordem dos Médicos, a medicina estética tem sido aquela que ao longo dos últimos anos mais tem crescido comparativamente à cirurgia plástica. Abrange uma variedade de procedimentos conhecidos vulgarmente como "não invasivos" ou "minimamente invasivos", como as injecções de botox, preenchimentos, peelings e tratamentos de laser.

De forma geral, o número de procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos tem aumentado consistentemente ao longo dos últimos anos, garantem os médicos especialistas contactados pelo PÚBLICO. Mas são os não cirúrgicos os que mais têm crescido – embora não existam dados oficiais, as estatísticas mundiais confirmam esta tendência. Por exemplo, nos Estados Unidos – o maior mercado de medicina e cirurgia estética a nível mundial –, registou-se um aumento de 11% nos gastos em todo o tipo de procedimentos, de 2015 para 2016. E se os cirúrgicos cresceram 3,5%, os não cirúrgicos aumentaram 7%, segundo os dados da American Society for Aesthetic Plastic Surgery (ASAPS), que indica ainda que no ano passado os americanos gastaram mais de 15 mil milhões de dólares nestes procedimentos. 

Para o presidente da ASAPS, Daniel Mills, os números são reveladores, mas não surpreendentes. Além da evolução dos factores económicos, refere o comunicado do relatório anual, as inovações na área permitem que os tratamentos sejam mais personalizáveis – tanto os cirúrgicos, quanto os não cirúrgicos. “Noutras palavras, há algo para toda a gente”, avança no mesmo comunicado.

Por cá, na clínica Faccia, em Lisboa, entre 2015 e 2016, os procedimentos cirúrgicos reflectiram-se na facturação com um aumento de 17%. Quanto aos de medicina estética, contribuíram para um crescimento de 33%. Já na Clinica Milénio, também em Lisboa, o crescimentos, em geral, foi na ordem dos 10%. Aquilo que se observa em Portugal acompanha as tendências a nível internacional, nota Vítor Figueiredo, responsável pelas intervenções não cirúrgicas da Milénio.

Vitor Figueiredo aponta a evolução das técnicas como uma das razões para o aumento da procura. “O tempo de enchimentos de lábios ou das rugas e do botox, para mim, já lá vão – já deixei de fazer isso há anos”, assume claramente. Hoje, os tratamentos que administra pretendem criar uma estruturação global da face. Significa isso, que, com os produtos que injecta vai “à origem do processo de envelhecimento e não às consequências”, ou seja, as rugas.

E o especialista dá um exemplo concreto, desta prática: no caso das rugas que vão do nariz ao canto da boca (designadas nasogenianas), “aquilo que se fazia no passado era o preenchimento” das mesmas ou injectando um produto nessa zona. “Durante um mês ficava bem, mas depois esses produtos passavam para as bochechas – é por isso que víamos as pessoas a ficar todas iguais, cheias de volume”. Actualmente, aquilo que o médico faz para corrigir essas mesmas rugas é “injectar a face inteira, para que esta suba”, consequentemente suavizando as rugas, de forma mais “natural”. Ou seja, o efeito é semelhante ao de um lifting, sem deixar a pessoa “insuflada”. “Aquilo que faço agora, quando comparável àquilo que fazia há dez anos é radicalmente diferente” porque consiste sobretudo na aposta na prevenção do envelhecimento, reforça.

Na Clínica Liberty, em Lisboa, João Luís Gabriel dá uma consulta onde propõe um peeling “diferente”, ou seja, em vez de se injectarem produtos, estes são projectados na pele a alta velocidade o que garante uma penetração “mais eficaz”, além de o tratamento ser “mais confortável”, garante o médico. E Isabel confirma isso mesmo – “o tratamento é confortável, não é invasivo nem doloroso”, descreve, acrescentando que não tem coragem para fazer uma cirurgia, mas que depois do Verão está a pensar fazer um lifting que é feito através de ultra-sons. “Embora não apareça [publicamente], estou ao lado de figuras públicas tão bem tratadas que sinto-me insegura e, ao longo dos anos, esta preocupação com a imagem foi crescendo”, justifica.

Quem são os doentes?

Rosália Pedrosa, directora da Clínica Liberty, confirma que o interesse por tratamentos estéticos tem aumentado e que tem clientes de todas as idades. Depois de Lisboa e do Porto, a clínica com administração espanhola e que começou por abrir o primeiro centro em Barcelona, vai expandir-se, nos próximos meses, para o Algarve e está já à procura de um espaço na região centro do país. “Temos muitos pedidos nesse sentido”, diz, referindo-se a clientes que chegam a Lisboa vindos de todo o país.

De acordo com Biscaia Fraga, o que os clientes querem é, cada vez mais, tratamentos eficazes e de recuperação rápida. “Há dez ou 15 anos” eram capazes de entregar um atestado médico no trabalho durante uma ou duas semanas, “hoje escolhem a quinta e sexta-feira para aproveitarem o fim-de-semana e segunda-feira estarem impecáveis”, prontos para regressar ao trabalho.

Além disso, em termos económicos “é completamente diferente o valor de um tratamento destes e o de uma cirurgia”. Ainda assim, conta que, mesmo a nível cirúrgico, as práticas se têm democratizado. A evolução técnica incide, por exemplo, nos tipos de anestesia utilizados e na redução do tempo de recobro. “Há 20 anos havia pessoas que tinham de ficar internadas dias, semanas”, conta o médico que já recebe em consulta as netas das primeiras doentes.

Isabel conta que a filha mais velha, de 18 anos, gostaria de fazer o mesmo tratamento que a mãe fez na Liberty, para ficar com a pele mais luminosa e hidratada. Vítor Figueiredo, da Milénio confirma que as pessoas começam a recorrer a estes serviços cada vez mais cedo – mais um motivo para o aumento da procura. Se antes apareciam quando os sinais de envelhecimento já estavam instalados, hoje “temos pessoas que começam aos 30, quando aparecem os primeiros sinais”.

Quanto aos procedimentos mais populares, variam consideravelmente, consoante a idade. Miguel Andrade, cirurgião plástico e director clínico da Faccia, indica que uma faixa mais jovem (dos 18 aos 22 anos) procura frequentemente o realce dos lábios e contorno da face. Mais tarde, entre os 25 e os 45 anos, quando “já perderam algum volume”, os tratamentos passam a focar-se no rejuvenescimento, com o uso de vitaminas, ácido hialorónico e hidratação profunda, por exemplo – estas duas faixas etárias representam cerca de 20% e de 60%, respectivamente, do total de doentes desta clínica. Há ainda uma procura alta entre os 55 e os 65 anos, quando no rosto “já estão marcados outros tipos de sinais”.

Menos, mas ainda assim invasivas

O termo “não invasivas” que se usa para descrever os procedimentos não cirúrgicos pode ser ponto de partida para alguns mal-entendidos. Vítor Figueiredo prefere falar em técnicas “minimamente invasivas” e recorda que o facto de não ser usado bisturi, não significa que não possa pôr em risco a saúde dos doentes. Além disso, a oferta de serviços feitos por profissionais qualificados não tem conseguido acompanhar a procura, continua o médico, o que significa que há pessoas que não estão devidamente qualificadas a fazerem-no. “Não basta ter um curso de medicina, é preciso fazer formação específica reconhecida nesta área e isso leva muitos anos de aprendizagem”, alerta.

O médico que fez a sua formação na área da medicina estética e da medicina anti-envelhecimento aconselha os interessados em submeter-se a este tipo de procedimentos a “fazer o trabalho de casa”, ou seja, a consultar o currículo do médico antes de o procurarem. Contudo, o que falta é que a Ordem dos Médicos (OM) reconheça a medicina estética. “O grande desafio é a credibilização” da área, defende.

Para já, “não existe medicina estética organizada, nem existe regulamentação clara sobre esse tipo de matérias”, assume Miguel Guimarães, bastonário da OM. “Temos de repensar isto internamente”, reconhece, colocando a hipótese de ser criada à partida uma competência. É “o desafio que já lancei aos meus colegas e que irei lançar também no Conselho Nacional Executivo da Ordem”.

A regulamentação e fiscalização da actividade – uma competência da Entidade Reguladora da Saúde – é algo que também não tem sido devidamente executado, aponta Miguel Guimarães. Segundo o bastonário, “a medicina está a evoluir muito rápido e algumas áreas estão a ficar um bocadinho desprotegidas”. A medicina estética não é novidade, “mas é uma área que nós vamos ter de discutir”, conclui.

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