Morreu George Romero, o cineasta do apocalipse zombie

O realizador de A Noite dos Mortos-Vivos e A Maldição dos Mortos-Vivos deixa uma marca indelével no género dos filmes de terror. Tinha 77 anos.

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George Romero em Lisboa numa passagem pelo Motelx, em 2010 miriam lago

George Romero morreu neste domingo, aos 77 anos, vítima de cancro do pulmão. A morte do realizador norte-americano, que trouxe os zombies para a cultura de massas, foi confirmada ao Los Angeles Times pela família. Os seus últimos momentos, revelou o produtor Peter Grunwald numa nota ao mesmo jornal, foram passados em casa, em Toronto, com a mulher e a filha, ao som da banda sonora de O Homem Tranquilo (1953), de John Ford, um dos predilectos de Romero.

Considerado uma referência nos filmes de terror e pioneiro no que é agora um subgénero, os zombies, George Romero estreou-se com nada menos do que A Noite dos Mortos-Vivos, em 1968. Um sucesso de bilheteira, dentro e fora dos EUA, feito com orçamento muito reduzido. O filme mostra o sufoco vivido por um grupo de pessoas cercado por mortos-vivos na casa de uma quinta na Pensilvânia rural, e a luta que cada um trava pela sobrevivência – o timing da sua estreia tornou inevitável a segunda leitura de que reflectia o mal-estar de uma América entalada entre os movimentos contraculturais e a Guerra do Vietname.

É um clássico, um título de culto que consta da lista de filmes protegidos pela Biblioteca do Congresso dos EUA – sendo “cultural, histórica e esteticamente siginificativo”, merece preservação. Mas essa foi uma decisão do final do século. Na estreia, gerou polémica entre espectadores e arcou com a reprovação dos críticos: “lixo”, “experiência horrível”. A Variety, cujo crítico se mostrava preocupado com a “saúde moral” do público, falava em “orgia de sadismo”.

Décadas depois, quando em 2010 esteve em Lisboa a convite do festival MOTELx, o cineasta continuava a mostrar-se espantado com a longevidade dos seus mortos-vivos: “Há uns anos, no festival de Toronto, três mil pessoas saíram à rua vestidas de zombies. E eu não sei bem porquê. Zombie, para mim, é o vudu das Caraíbas. Nunca usei a expressão nos meus filmes – para mim eram os mortos-vivos, eram os vizinhos! E não percebo como é que eles se tornaram tão populares. Acho que, literalmente, criei um monstro!”, contava ao PÚBLICO.

Romero deu continuidade à ideia numa série a que deu o nome Dead e que inclui cinco outros filmes, produzidos aos longo das décadas seguintes: Zombie: A Maldição dos Mortos-Vivos (1978), O Dia dos Mortos (1985), Terra dos Mortos (2005), Diário dos Mortos (2007) e A Ilha dos Mortos (2009). Os três primeiros dos seis filmes já tiveram direito a remakes. John Russo, co-autor de A Noite dos Mortos-Vivos, lançou a sua própria série de filmes – Living Dead – após um desentendimento criativo com Romero sobre o rumo a dar aos filmes.

Romero, Russo e Russell Streiner trabalhavam juntos em publicidade quando decidiram apostar, em conjunto com outros amigos, numa produtora própria – a The Latent Image. Foi através dela que amealharam os 114 mil dólares para a produção de A Noite dos Mortos-Vivos, uma maquia que se transformou em 30 milhões de dólares só nas bilheteiras do ano de estreia. Há cameos dos três no filme.

"Não haverá outro"

Realizador, produtor, argumentista, actor, director de fotografia, montador: George Romero desempenhou diversos papéis no cinema, apesar de não deixar uma obra tão vasta quanto poderia esperar-se de uma carreira com mais de meio século. Atracção Diabólica (1988) e A Face Oculta (1993) valeram-lhe a maior parte dos poucos prémios que arrecadou, tendo entre eles feito uma breve participação, como actor, em O Silêncio dos Inocentes (1991).

Não filmava há quase uma década. Em 2013, houve notícia de um convite para dirigir alguns episódios de The Walking Dead, mas terá recusado. Trabalhar em televisão não seria uma novidade: entre outros projectos, realizou o documentário O.J. Simpson: Juice on the Loose (quando a antiga estrela de futebol americano ainda se destacava pela carreira desportiva). No entanto, os zombies dos nossos dias não o entusiasmavam. Pelo contrário. Via neles “telenovelas” com zombies, personagens que ele usava noutros termos, em filmes comprometidos com a sátira e o comentário político.

George Romero nasceu no Bronx, em Nova Iorque, a 4 de Fevereiro de 1940. Tinha ascendência cubana por parte do pai (de família espanhola) e lituana por parte da mãe. Estudou na Universidade Carnegie Mellon. Casou três vezes e teve três filhos – dois do segundo casamento e um do terceiro. Este último, George Cameron Romero, também é realizador e está a trabalhar numa prequela de A Noite dos Mortos-Vivos, sob o título Origins. George Romero vivia actualmente em Toronto, tendo pedido a nacionalidade canadiana em 2009.

As reacções à morte de Romero chegam um pouco de todo o lado. Destacam-se figuras ligadas ao terror, ao suspense e ao fantástico – são os casos do escritor Stephen King, que diz que “nunca haverá outro” como ele, ou dos realizadores Eli Roth e Guillermo del Toro, este último sublinhando “a perda enorme” que sente. Roth foi, de resto, o convidado especial do MOTELx um ano depois de Romero ter vindo a Lisboa a convite do mesmo festival, em 2010.

O músico, realizador e argumentista Filipe Melo, fã confesso de Romero, também assinalou a morte do cineasta no Facebook. Foi o realizador norte-americano que lhe prefaciou As Extraordinárias Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy – Apocalipse, o segundo volume da série de BD que Melo co-assina com o ilustrador argentino Juan Cavia.

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