Histórias do Tour: De vendedor de cautelas a candidato ao pódio

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LUSA/YOAN VALAT

“Tão feliz pelo @UranRigoberto. Se procurarem a palavra 'relaxado' num dicionário ilustrado, terão apenas uma foto do Rigo”. O tweet que o nem-sempre-tão-simpático Mark Cavendish escreveu após a vitória do colombiano na nona etapa espelha bem aquela que é a opinião generalizada do pelotão sobre o actual quarto classificado da geral. Espontâneo e divertido, Rigoberto Urán conquistou uma legião de fãs não só entre os seus pares, mas também entre os adeptos da modalidade, com originais publicações nas redes sociais – é o próprio que fomenta as comparações físicas com Mick Jagger – , declarações de levar às lágrimas ou entrevistas memoráveis na televisão colombiana.

E é precisamente na sua Colômbia natal que o ciclista da Cannondale-Drapac é uma estrela maior. “As pessoas param-me na rua, para fotos, autógrafos, cumprimentos. É incrível”. Não podia ser diferente. Urán, o ciclista, é um exemplo de superação para os seus compatriotas. Em Agosto de 2001, com 14 anos, perdeu o pai, assassinado por paramilitares. Vendedor de bilhetes da lotaria, o progenitor esteve na origem da sua paixão pelo ciclismo. “O meu pai era um maluco por esta modalidade e incentivou-me a abraçá-la”. Como único homem da casa, foi nele que recaiu a responsabilidade de assegurar o sustento da mãe e da irmã. Rigo passou a dividir o dia em três: ainda de madrugada, levantava-se para treinar, percorrendo as ruas de Urrao, na sua velha bicicleta. De tarde, rumava ao liceu, onde era dos melhores alunos. À noite, calcorreava as mesmas ruas para vender cautelas. 

A perseverança foi recompensada com a integração do programa "Orgullo Paisa", de descoberta de novos talentos. “É um ciclista dedicado, trabalhador, sério, com bom coração e um grande futuro”, definiu Raúl Mesa, o melhor treinador do país. De Urrao para a Europa, foi um pulo. Aos 19 anos, aceitou a proposta dos italianos da Tenax. “Precisava de dinheiro para sustentar a minha família”. E o ciclismo era o caminho mais feliz para o fazer. Desde então, a sua ascensão foi vertiginosa. Em 2007, assinou pela Unibet e no ano seguinte já representava a conceituada Caisse d'Épargne. Na equipa espanhola construiu uma reputação de lutador e de potencial candidato às grandes Voltas, à qual a Sky não ficou indiferente.

Com a camisola negra da formação britânica, que representou entre 2011 e 2013, conquistou uma etapa da Volta à Catalunha e o Giro Piemonte (2012), foi o melhor jovem do Giro 2012 e conquistou a prata olímpica em Londres 2012 – o metal até podia ter sido outro, mas o então inexperiente colombiano olhou para trás no momento errado, permitindo que o "traiçoeiro" Alexandre Vinokourov obtivesse uma vantagem impossível de anular. Perigoso nas provas de um dia, Urán assumiu-se, em 2013, como um verdadeiro pretendente ao trono das grandes do ciclismo, ao ser segundo classificado no Giro. Tapado por Chris Froome, o colombiano decidiu trocar a Sky pela Quick Step, sendo novamente segundo na "corsa rosa".

2015 era o ano do tudo ou nada. Habituado a superar obstáculos, como a asma que o afectou em criança, a queda que lhe deixou os ossos dos cotovelos quase pulverizados (2007), a fractura de clavícula no Tour 2011 ou lesões sucessivas, Urán sofreu novo golpe. Desiludiu no Giro – depois de dois anos a ganhar etapas e a subir ao pódio, foi apenas 14.º – e no Tour (42.º). Reformulou objectivos e, no final da temporada, ganhou o GP do Quebec, mesmo a tempo de assinar com a Cannondale-Drapac. 

Sem a pressão que sentiu nas equipas anteriores, Urán soltou-se e voltou-se para as clássicas. Este ano, quando optou por não correr o seu querido Giro, poucos entenderam a opção. Excluído das diversas listas de favoritos para esta Volta a França, devido ao seu (pobre) historial recente, aquele que é o mentor/conselheiro dos outros colombianos do pelotão ignorou a desfeita e, dia após dia, tem demonstrado que é uma firme aposta para o pódio de Paris. 

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