Os “Pinto da Costa” do Real Madrid, Barcelona e Bayern Munique

Há grandes clubes pela Europa fora que também tiveram líderes carismáticos e de longa data. O PÚBLICO recupera os mais influentes.

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José Luis Núñez, à esquerda, com o então vice-presidente Joan Gaspart Gustau Nacarino/Reuters

A longevidade no cargo de alguns presidentes de clubes não é um exclusivo português. Em Espanha, dirigentes históricos do Real Madrid, Barcelona bateram recordes de permanência na cadeira do poder. Outro caso emblemático esteve na origem do “grande” Bayern Munique.

O mítico Bernabéu

Até Pinto da Costa assumir o primeiro lugar do ranking, em Janeiro deste ano, o espanhol Santiago Bernabéu parecia imbatível em termos de longevidade na liderança do Real Madrid. Entre 1943 e 1978 (35 anos), este ex-jogador (avançado) dos “merengues” (1912 -1927) elevou o clube ao estatuto planetário, que continua a exibir e a reforçar.

Durante a sua direcção, os “blancos” conquistaram seis Taças dos Campeões Europeus (competição antecessora da Liga dos Campeões), cinco das quais consecutivas, uma Taça Intercontinental, 16 ligas espanholas e seis Taças do Rei. Um sucesso tremendo que não se ficou pelos títulos, como o comprova o estádio que inaugurou, em 1947, e que glorifica o seu nome desde 1955.

A sua história tem contornos de lenda para os “madridistas”. Nascido a 8 de Junho de 1895, no pequeno município de Almansa, na província de Albacete (sudeste de Espanha), mudou-se para Madrid com apenas quatro anos, juntamente com a família. Ainda na escola, começou a jogar como avançado centro e foi nesta posição que representou a equipa principal “merengue”. Paralelamente ao futebol, formou-se em Direito, mantendo a sua ligação ao clube após abandonar a prática desportiva. Primeiro foi assistente, depois dirigente.

Com a Guerra Civil espanhola interrompe as suas funções no Real Madrid e passa a vestir a farda dos franquistas, tendo participado no assalto à Catalunha. Um ingrediente particularmente picante na história da rivalidade com o Barcelona. Com fim do sanguinário fratricídio, regressou a Madrid para encontrar um Real pouco mais que moribundo e sem direcção.

Envolve-se na recuperação do emblema, acabando por ser eleito presidente a 15 de Setembro de 1943. Reestruturou o clube, levando-o à profissionalização e à construção de infra-estruturas, nomeadamente um faustoso estádio, o maior da Europa na época. Seguiu-se a Cidade Desportiva.

Durante a sua gestão, o Real Madrid foi acusado de ser a “equipa do regime” de Francisco Franco, mas Bernabéu não se coibiu de protagonizar alguns confrontos com políticos importantes, como quando proibiu o general Millán Astray, fundador da Legião Espanhola e da Rádio Nacional de Espanha, de entrar no estádio, pouco tempo depois de tomar posse. Em causa estava o comportamento desta sinistra individualidade, que ia assistir aos jogos do Real na tribuna de honra, sem pedir permissão e acompanhado por quatro legionários armados, que o escoltavam para todo o lado.

Entre as divisas mais conhecidas deste general contavam-se o “Viva a Morte” ou “Morra a Inteligência”, com as mutilações (não tinha um olho nem um braço) a reforçarem-lhe o aspecto particularmente macabro. A sua reacção à afronta foi proporcional à sua personalidade, desafiando o presidente dos “madridistas” para um duelo de pistola. Após a surpresa e o susto iniciais, Santiago Bernabéu recorreu para as mais altas esferas do regime, que refrearam os tiques violentos anacrónicos do general.

A morte de Bernabéu acabou mesmo por chegar, mas não pelas mãos de Astray e muitos anos mais tarde: a 2 de Junho de 1978, com 82 anos, vítima de cancro, o que impediu que o seu mandato fosse ainda mais longo. Apesar dos muitos êxitos que se seguiram, o Real não voltaria a ter um líder com esta dimensão e unanimidade.

O Barcelona de Núñez

Não deixa de ser irónico que, menos de um mês após a morte do mítico dirigente dos “merengues”, tenha chegado à presidência do grande rival Barcelona o homem que iria catapultar o emblema catalão também para o topo do futebol mundial. Assumindo o cargo a 1 de Julho de 1978, José Luis Núñez manteve-o até 23 de Julho de 2000. Um recorde de 22 anos, que continua imbatível entre os “blaugrana”.

Empresário do sector do imobiliário, nascido no País Basco, a 7 de Setembro de 1931, Núñez foi o dirigente que mais títulos conquistou ao serviço do Barcelona. As suas primeiras medidas visaram o saneamento económico do clube, um primeiro passo para procurar cumprir a sua promessa de fazer do emblema a maior instituição desportiva global. Durante a sua gestão, incrementou substancialmente o património e os êxitos no futebol foram quase imediatos.

Um ano depois de assumir a presidência, a equipa conquistou o seu primeiro grande troféu internacional, a Taça das Taças (1978-79). Seria o primeiro de quatro títulos arrecadados nesta competição da UEFA (extinta em 1994), com Nuñez à frente do clube, um recorde na prova. Mais tempo demorou para vencer a liga espanhola, que os “blaugrana” não festejavam desde 1973-74. O primeiro título na principal competição interna chegou na temporada de 1984-85, conquistando mais seis durante os seus mandatos. A estes juntou ainda seis Taças do Rei, cinco Supertaças e duas Taças da Liga.

Mas o troféu mais valioso desta longa etapa presidencial chegaria no final da época de 1991-92, com a primeira Taça dos Campeões Europeus a chegar à Catalunha. No banco do Barcelona estava o holandês Johan Cruyff, contratado na temporada de 1988-89, para construir uma “Dream Team”, que deslumbrou a Europa do futebol e dominou em Espanha, com quatro campeonatos consecutivos, entre 1990 e 1994.

A política de contenção salarial, que provocou a saída de grandes estrelas da equipa, acabou por levar à perda de popularidade de Núñez, particularmente evidente no ano das comemorações do centenário do clube (1999), precipitando a sua resignação, no ano seguinte.

Já em 2011, o ex-presidente do Barça, foi condenado a seis anos de prisão - tal como o seu filho José Luiz Núñez Navarro - e a pagar uma multa de dois milhões de euros pelo crime de suborno, no chamado “Caso Hacienda”. Em causa estava o pagamento a inspectores dos impostos para deixar de declarar ao Fisco 13,1 milhões de euros, entre 1991 e 1999. Daria entrada na cadeia de Quatre Camins, no município de La Roca del Vallés, em Barcelona, a 16 de Novembro de 2014, tendo a pena sido reduzida a um ano e dois meses.

O “Midas” de Munique

Também na Alemanha uma longa presidência acabou por impulsionar a ascensão de um clube à elite do futebol mundial. Nascido no município de Straubing, na Baviera, a 24 de Outubro de 1913, Wilhelm Neudecker liderou o Bayern Munique durante 17 anos, entre 1962 e 1979, construindo as bases do actual colosso do futebol germânico e europeu.

Empresário da construção civil, Neudecker chegou à liderança do emblema bávaro numa altura particularmente complicada (económica e desportivamente), com o emblema a ficar de fora da recém-criada Bundesliga, que arrancou na temporada de 1963-64.

A Federação de Futebol da Alemanha tinha chamado os rivais 1860 Munique para representarem a capital da Baviera na nova competição nacional. A cumprir o seu primeiro ano de mandato, Neudecker considerou esta decisão um ultraje, mas acabou por aproveitar a situação.

Com o Bayern à beira da bancarrota, a ausência do principal escalão levou o clube a desfazer-se das suas estrelas mais onerosas, acabando por chegar uma leva de jovens jogadores, grande parte proveniente das suas escolas de formação. Das suas fileiras despontaram talentos como Franz Beckenbauer, Sepp Maier e Gerd Müller, que tiveram espaço para se afirmar na equipa principal.

Depois de conquistar o título da liga regional sul, em 1964-65, o Bayern acabou por ser promovido à Bundesliga, tendo o seu presidente cumprido a promessa de andar à volta do Lago Tegernsee (21km), ao sul de Munique, acompanhado por 500 apoiantes.

O sacrifício terá motivado a equipa, que alcançou o terceiro lugar na temporada de estreia na Bundesliga (1965-66), vencendo a Taça da Alemanha. Era apenas o princípio. Na época seguinte começaria a afirmação europeia do clube bávaro, com o triunfo na Taça das Taças. E conquistou o seu primeiro título na principal competição interna em 1968-69.

Nos anos de 1970, o Bayern alcançaria o Olimpo do futebol. A par de três títulos alemães consecutivos (1971-72; 1972-73 e 1973-74), arrebatou a Europa, amealhando igualmente três Taças dos Campeões Europeus de seguida: 1973-74; 1974-75 e 1975-76. A encerrar este ciclo triunfal, ainda hoje ímpar no clube, a equipa somou ao seu espólio uma Taça Intercontinental, que seria o seu último troféu europeu no século XX. Desta grande equipa faziam parte estrelas como Maier, Beckenbauer, Schwarzenbeck, Breitner, Hoeness e Gerd Müller, a base da selecção da Alemanha Ocidental (RFA), que conquistou o Mundial de 1974.

O ciclo de Wilhelm Neudecker chegaria ao fim no final dessa década de ouro, quando apresentou a sua demissão após os jogadores se terem recusado a aceitar como treinador o austríaco Max Merkel, antigo jogador dos rivais 1860 Munique. Chegava ao final, de forma conturbada, a era do histórico presidente, que recebeu a Cruz de Mérito da RFA, acabando por morrer, em Munique, na véspera do Natal de 1993, com 80 anos.     

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