Google acusado de investir milhões em trabalhos académicos favoráveis

Empresa financiou 329 estudos na longo da última década. Muitos são favoráveis ao Google em temas como privacidade, publicidade e segurança de dados.

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O apoio do Google aos académicos terá variado entre os 5 mil e os 400 mil dólares (entre 4,3 mil e 350 mil euros) Reuters/Francois Lenoir

O Google investe milhões todos os anos no financiamento de estudos académicos nos Estados Unidos e na Europa, mas agora é acusado de utilizá-los para influenciar a opinião pública e política a seu favor.

Desde 2005 que o Google financiou 329 estudos em inglês – na área de políticas públicas como a privacidade, direitos de autor, segurança de dados e a monetização de publicidade online – que abordam mudanças nas leis extremamente prejudiciais à empresa. Mais de metade dos trabalhos (54%) receberam financiamento directo da empresa.

 A informação foi revelada esta terça-feira no Google Transparecy Project, um projecto da associação de defesa dos consumidores Campaign for Accountability com sede em Washington, EUA. Nos últimos 12 anos, o apoio do Google aos académicos terá variado entre os 5000 e os 400 mil dólares (entre 4300 e 350 mil euros, ao câmbio actual).

“O Google está a utilizar a sua enorme riqueza e poder para tentar influenciar decisores políticos a todos os níveis. No mínimo, os reguladores deveriam estar conscientes de que o trabalho alegadamente independente de que dependem vem, afinal, do Google”, disse o director executivo, Daniel Stevens, na apresentação do relatório.

De acordo com os autores, o Google começou a financiar uma “avalanche de estudos científicos” sobre matérias antimonopólio, em 2011, altura em que as autoridades americanas começaram a examinar as práticas da empresa.

A empresa defende-se. “O relatório é altamente enganador”, diz Leslie Miller, a directora de assuntos públicos do Google, num comunicado de resposta. “Por exemplo, atribui-nos trabalho que foi apoiado por organizações de que fazemos parte, ou a quem já doámos dinheiro.”

Miller devolve à associação de defesa dos consumidores a acusação de falta de transparência: “A ironia de discutir estes temas com a Campaign for Accountability é que o grupo se recusa consistentemente a divulgar os seus próprios financiadores.”

O director da associação diz que a resposta do Google é uma tentativa de desviar a atenção do problema. “Quando o mau comportamento do Google é exposto, a empresa aponta sistematicamente o dedo para outra pessoa. Em vez de desviar a culpa, o Google deve abordar o seu historial de financiamento académico, que o põe ao mesmo nível que a indústria petrolífera e a do tabaco”, sustenta Daniel Stevens.

Embora a investigação se foque em trabalhos escritos em inglês, Stevens diz ao PÚBLICO que acredita que também existam “arranjos do género para trabalhos publicados noutras línguas”. É uma área que vão começar a explorar.

A base de dados utilizada pelo Google Transparecy Project foi publicada para consulta juntamente com o relatório. Começou a ser criada a partir da pesquisa de trabalhos de académicos que receberam prémios e apoios do Google. Os resultados foram filtrados para mostrar estudos posteriores à recepção dos prémios. Alguns dos trabalhos, apesar de falarem favoravelmente do Google, não admitem uma conexão com a empresa. Por exemplo, ao pesquisar o termo “privacidade” encontra-se um estudo sobre como os jornalistas e os consumidores deviam alterar a perspectiva que têm da privacidade do Google. O financiamento foi apenas revelado num email do autor ao Google Transparecy Project.

O Google, porém, continua a defender a independência dos estudos. “As instituições e investigadores que financiamos publicam trabalhos com que discordamos com frequência”, escreve Miller. Dá o exemplo de um texto de opinião que Geoffrey A. Manne, um investigador de economia em Portland, EUA, escreveu para a revista Wired, em 2015, no qual se opõe à neutralidade da Internet (a neutralidade impede os fornecedores de Internet de definirem prioridades de distribuição de dados).

Miller admite que o Google apoia muitos programas de investigação, mas diz que se destinam a “ajudar instituições públicas e privadas a realizarem investigação em tópicos importantes” e que a empresa tem orgulho em “manter relações tão fortes com académicos, universidades e instituições de pesquisa”.

A Campaign for Accountability mantém, contudo, a sua tese e acusa o Google de criar um “universo de citações pagas que ajudam aos seus interesses”, porque permite que os trabalhos financiados se citem com frequência e criem a ideia de que existe uma grande quantidade de trabalho académico que apoia as políticas do Google. “Por detrás de cena, o Google exerce uma influência cada vez mais prejudicial na investigação académica”, concluem os responsáveis pelo projecto.

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