Esquerda já só olha para o Orçamento, direita diz que o Estado colapsou

Com um discurso quase submisso, BE, PCP e PEV procuraram assegurar temas para o OE 2018, mas Costa não se quis comprometer muito. Incêndios, Tancos e remodelação do Governo também não tiveram grandes explicações.

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Miguel Manso

Em vésperas da negociação do Orçamento do Estado (OE), António Costa tentou agradar aos parceiros à esquerda, deixando promessas e anúncios para os próximos meses. Fragilizado pela crise das últimas três semanas, o primeiro-ministro conteve a altivez com que tem brindado a direita nos debates quinzenais, passou fugazmente pelas chamas de Pedrógão Grande e pelo campo minado de Tancos, defendendo os dois ministros, e anunciou uma nova Secretaria de Estado da Habitação, dando relevância a uma pasta que a esquerda valoriza e tentando mostrar que já arrumou o assunto da mini-remodelação. PSD e CDS alinharam pela mesma cartilha, falando do “falhanço do Estado”.

BE, PCP e PEV criticaram, deixaram avisos e fizeram pedidos, mas os partidos à esquerda do PS entraram e saíram do debate do Estado da Nação na qualidade de parceiros fiéis, numa fase que não lhes permite esticarem muito a corda, por estarem ainda a ver o que podem conquistar no Orçamento de 2018. António Costa alimentou o namoro, deixando promessas – umas no ar, outras mais sólidas – em vários sectores, da saúde à educação, passando pela função pública e impostos

O primeiro-ministro até começara por pegar o touro de frente, falando logo dos incêndios de Pedrógão Grande, mas para dizer que a reconstrução está em marcha, que ainda não há respostas aos inquéritos em curso e para recentrar o problema na floresta. Chegou mesmo a apelar, várias vezes, ao voto favorável ao pacote legislativo que o Parlamento se comprometeu a aprovar até dia 19.

Num tom comedido, Catarina Martins quis saber quando será cumprida a promessa de valorizar as carreiras contributivas mais longas, tentou amarrar Costa aos compromissos da subida do salário mínimo nacional e do aumento da progressividade do IRS. O primeiro-ministro garantiu à bloquista que sairá ainda este mês o diploma sobre o acesso à reforma antecipada, foi vago no salário mínimo, falando apenas num “aumento” sem especificar valores, e prometeu “trabalhar” na questão do IRS.

O secretário-geral do PCP defendeu uma política alternativa à da direita, criticou a submissão a Bruxelas e quis saber o que se passa nas cativações. Costa recusou falar sobre temas que o separam de Jerónimo de Sousa – como a Europa – e, tal como respondeu sempre ao PSD e CDS, assegurou que os cortes não existiram na saúde e educação. Mas tarde, a pergunta do líder parlamentar do PCP sobre o ambiente de intimidação aos trabalhadores da PT deu o mote ao primeiro-ministro para criticar a “privatização” feita pelo anterior Governo. Costa disse mesmo recear um desmembramento que possa pôr em causa o futuro daquela que já foi uma das maiores empresas portuguesas.

Costa aproveitou ainda a deixa para criticar, com estrondo, o comportamento da empresa nos incêndios: desejou que a entidade reguladora das comunicações veja quem conseguiu manter as ligações durante os incêndios e tire daí conclusões. “Por mim, já fiz a minha escolha da companhia que utilizo”, vincou, numa alusão às alegadas responsabilidades do SIRESP, no qual a PT/Altice tem quota.

A agenda do OE foi também colocada em cima da mesa pela ecologista Heloísa Apolónia, que entre outros temas quis saber quando será generalizado na função pública o horário das 35 horas – e ficou sem resposta.

Os partidos à esquerda do PS deram um tom optimista ao Estado da Nação, em especial sobre o que foi possível reverter em quase dois anos e os efeitos na economia, mas também vincaram que é preciso fazer bem mais. “É preciso mudar mesmo. Mudar a política”, avisou Jerónimo; há um “caminho feito, mas quase tudo por fazer”, diria Catarina – uma clara preparação para a maratona orçamental.

À direita, o CDS não ficou sozinho nas críticas ao Governo, sobretudo por causa de Pedrógão Grande e de Tancos. O PSD, pela voz de Passos Coelho e de Luís Montenegro, endureceu o discurso. O líder do partido pediu “liderança” ao primeiro-ministro, depois de vincar que o Estado “falhou clamorosamente” nos dois casos.

O presidente da bancada parlamentar assinalou o “processo de degradação indisfarçável” com que o executivo chegou ao debate. “O Governo está a colapsar, perde a autoridade todos os dias”, atirou Luís Montenegro que falava a propósito da crise das últimas semanas. A resposta do primeiro-ministro não foi tão dura como noutras ocasiões: “O que colapsou foi o sentido de Estado do PPD/PSD”. O duelo entre o PSD e António Costa foi pontuado por apupos e aplausos. Os sociais-democratas fizeram questão de aplaudir em pé longamente Passos Coelho e Luís Montenegro, ignorando mesmo o presidente da Assembleia da República quando este tentava dar a palavra ao orador seguinte.

As cativações foram uma das grandes armas de arremesso das bancadas da direita. Há austeridade, sim, ainda que encapotada, partilharam os dois antigos parceiros de coligação. Assunção Cristas deixou cair a moção de censura, mas criticou duramente o Governo e o primeiro-ministro pela “descoordenação” demonstrada nas últimas semanas e insistiu na demissão dos dois ministros, da Administração Interna e da Defesa Nacional.

Foi o mote para António Costa segurar Constança Urbano de Sousa e Azeredo Lopes: “Obviamente, não demito nenhum ministro”. Mesmo sem moção de censura, o líder da bancada do CDS, Nuno Magalhães acentuou a linha de argumentação da direita lançada nas últimas semanas: “O senhor primeiro-ministro é só um homem para as horas boas (…) uando as coisas correm mal no país o timoneiro vai lá para fora e deserta”. Foram várias as provocações que Costa ouviu sobre as suas férias, mas a nenhuma respondeu. Nem se pronunciou sobre o assalto a Tancos. Para fazer o debate de fundo, Costa escolheu o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, um sector em que tem feito anúncios de investimento e onde se vive agora um clima de maior paz social.

Com um discurso centrado nas finanças e economia, Passos Coelho voltou à carga com o “Plano B” a que o Governo recorreu para as contas baterem certo, usando várias vezes o termo "geringonça", que não é habitual no seu vocabulário parlamentar. “Caiu a máscara do fim da austeridade” e “está defunta a fantasia” de que no anterior Governo não se investia mais nas políticas públicas, sociais e de soberania, apontou o líder do PSD.  

A resposta aos ataques da direita viria só no encerramento do debate e pela voz do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Augusto Santos Silva, que substituiu o primeiro-ministro nas suas recentes férias, foi o bombeiro de serviço. “Soou tanto a falso hoje a ladainha da oposição sobre a suposta desagregação do Estado... O Estado constituiu um alvo da sua acção no passado e o programa continua a ser retirar do Estado funções, pessoas e recursos". Santos Silva reforçou a argumentação que tem sido usada pelos vários ministros: cativações não são confundíveis com cortes. E rematou com uma mensagem de ânimo, dizendo que o "sobressalto" que o país viveu e a consciência do que há a fazer na protecção das populações deu ao Governo "mais energia e sentido de responsabilidade". A reforma das florestas tem a prova de fogo, dentro de uma semana, no plenário, com a votação das propostas.

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