Fugir como o diabo da cruz (e ganhar tempo)

A síntese do Estado da Nação: Pedrógão foi azar, Tancos não existiu (e falar dele é crime de Estado) e a remodelação é um acrescento. Quem falou em habilidade?

Pedrógão, Tancos, remodelação. António Costa chegou ao debate do Estado da Nação com três problemas por resolver ou por explicar. Passou por Pedrógão para fazer o luto, manteve-se longe de Tancos (o roubo não lhe mereceu uma palavra no discurso inicial) e arrumou a perda de três governantes falando de uma outra secretaria de Estado que decidiu criar. Vamos a balanços? Pedrógão foi azar, Tancos não existiu (e falar dele é crime de Estado) e a remodelação é um acrescento. Quem falou em habilidade?

O objectivo do primeiro-ministro, porém, é bem simples de perceber: a remodelação, afinal, é mesmo mini e arruma-se esta quinta-feira com o Presidente. E o Parlamento está prestes a entrar de férias, tempo suficiente para o Governo chegar a mais respostas sobre a tragédia e o assalto. Em Setembro, quando os deputados voltarem, já haverá respostas (desde que não venham mais incêndios). E com isso os ministros que ontem não falaram já podem recuperar o palco - ou sair, se as respostas forem muito más. Aí já não vai dar para fugir como o diabo da cruz - porque já se entrou em campanha e as autárquicas são para ganhar ("o tira-teimas", como lhe chamava o conselheiro de Estado Francisco Louçã, no Tudo Menos Economia).

O Governo está ainda sem novo discurso, porque também ainda não tem contas feitas ao novo Orçamento. E essa era mais uma razão para Costa fazer da palavra "resistir" o alfa e ómega do debate de ontem. Bloco e PCP bem pediram menos cativações, mudanças nas leis laborais, mais investimento, um virar de página. Mas o que Costa podia dar era só o que já estava no papel, o que rege as relações da esquerda.

Sim, o problema não é de discurso, é de contas: o Governo sabe que é preciso requalificar os serviços do Estado. Neste caso, era justo e dava jeito - porque encostava a direita num discurso sem saída. Mas Costa já tem compromissos assumidos à esquerda para 2018, e esses passam ainda pela devolução de rendimento. E custam dinheiro.

Claro que o que sobrar do crescimento da economia pode dar uma ajuda à narrativa - mas esses dados Centeno só terá em Setembro. Isso, mesmo em cima das eleições. Até lá, há tempo para recompor. Esta já passou.

P.S. António Costa disse ontem na AR que teme pelo futuro da PT, acusando a Altice de preparar o seu "desmembramento" . Tendo razões para desconfiar (e o que sabemos é suficiente para saber que sim), que dê poder ao regulador, que reveja o quadro legal e garanta a aplicação das regras. António Costa é o primeiro-ministro, não é um comentador. E a um primeiro-ministro não cabe destruir valor.

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