Sabe aqueles exercícios que desenvolvem o cérebro? Talvez não o desenvolvam assim tanto

Estudo publicado esta segunda-feira sugere que os exercícios cognitivos vendidos por empresas para melhorar as capacidades neurológicas não trazem mais benefícios do que um simples videojogo.

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VAN WEDEEN/HARVARD MEDICAL SCHOOL/Arquivo

Serão poucas as pessoas que ainda não se depararam, principalmente na internet, com jogos que alegam melhorar e desenvolver as capacidades cognitivas. Além de uns minutos de diversão, estes exercícios promovem o desenvolvimento cerebral. Está assim lançada a receita perfeita. Existem até empresas especializadas neste ramo com treinos diários. Mas, esta segunda-feira, foi publicado o primeiro estudo científico de fundo sobre esta matéria que sugere que, afinal, estes jogos não produzem mais efeitos do que um simples videojogo.

Publicado no Journal of Neuroscience, o estudo submeteu 128 jovens adultos (71 homens e 57 mulheres) a testes de desempenho mental depois de 10 semanas a realizarem os referidos exercícios de treino cerebral e a jogarem videojogos. Os investigadores, como relata o Washington Post, não encontraram qualquer prova de que estes jogos cognitivos, na sua maioria vendidos por empresas especializadas no ramo, originem melhorias na memória, atenção, tomada de decisão ou na capacidade para alternar tarefas mentais.

Uma das empresas que vende e disponibiliza este tipo de jogos de desenvolvimento cerebral é o Lumosity – a Lumos Lab foi fundada em 2005 dando origem, em 2007, ao Lumosity.com que, no ano passado, contava com 70 milhões de membros. Ora, esta empresa foi multada, em 2016, em dois milhões de dólares por publicidade enganosa. Um ano antes, em 2015, o Lumosity conduziu um estudo em que sugeria que os jogos por si utilizados traziam mais benefícios a algumas tarefas mentais do que, por exemplo, as palavras cruzadas.

O estudo foi conduzido por Caryn Lerman e Joseph Kable na Universidade da Pensilvânia. Os voluntários, separados em dois grupos, realizaram os exercícios ou jogaram videojogos cinco vezes por semana durante uma hora e meia. Este processo, explica-se no estudo, não tinha como alvo uma função específica e não se adaptou a dificuldade à medida que a experiência avançava.

Antes e depois dos “treinos”, os voluntários realizaram avaliações cognitivas. Além disso, realizaram exercícios que consistiam em tarefas de tomada de decisão através das quais se colocavam em confronto “recompensas menores agora” e “recompensas maiores no futuro” – tarefa apelidada de “atrasar a promoção” – e “recompensas maiores e mais arriscadas” e “recompensas menores e menos arriscadas” – neste caso, denominada de “sensibilidade ao risco”. Durante estas tarefas os voluntários foram submetidos a uma monitorização, através de ressonâncias magnéticas funcionais.

“Não encontrámos provas de que o treino cognitivo influencie a actividade neurológica durante a tomada de decisão, nem encontrámos efeitos do treino cognitivo na medida do atraso da promoção ou da sensibilidade ao risco”, explica-se no documento. Os investigadores descobriram, desta maneira, que ambos os grupos de voluntários melhoraram o seu desempenho ao longo do tempo, sendo que a actividade cerebral foi semelhante.

Posto isto, foi necessário ainda verificar se esta situação era resultante do tipo de jogos aplicados ou uma simples evolução como consequência da prática. E para isso foi reavaliado um terceiro grupo que não jogou nem realizou qualquer exercício. E este registou uma evolução semelhante aos anteriores, o que indica que o progresso é resultante apenas da prática e da repetição.

“O treino cognitivo comercial aparenta não ter benefícios em jovens adultos saudáveis acima daqueles dos videojogos”, conclui-se. No entanto, Lerman avisa que este estudo não diz que estes exercícios não ajudem adultos mais velhos, admitindo até a hipótese de que os idosos possam retirar benefícios destes jogos.

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