Arte que permanece ficção

Na sua nova exposição, João Penalva equilibra-se entre territórios e experiências de ordem estética.

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A pintura de João Penalva continua a observar uma relação com a ficção, a solicitar ao espectador as contingências e os equívocos da imaginação

As obras de João Penalva continuam a conter possibilidades de ficção, de personagens. Oblíquas, (aparentemente) incompletas — como se fragmentos de uma obra maior se tratassem —, permitem ao espectador imaginar, conceber, inventar novos textos ou novas imagens. Não se findam na exposição, mas continuam a existir nas fantasias da efabulação, na recriação da memória.

Tal permanência deve ser entendida no âmbito de traços que são característicos da abordagem de João Penalva: um interesse continuado pela apropriação e pela transfiguração das imagens anónimas da cultura visual, um entendimento da cultura de massas como arquivo e material, um gosto pela construção de ilusões e enganos.

Na nova exposição do artista patente, na Galeria Filomena Soares, há séries inéditas. Estendido ao longo de uma das paredes da galeria encontra-se O braço direito, telão no qual se encontram impressas, sobre tecidos pintados, imagens fotográficas de homens que fazem acrobacias de circo, equilibrando-se sobre o braço direito (o verdadeiro suporte do equilíbrio que mostram). A origem das imagens é a de outro tempo (talvez a primeira metade do século XX), mas da obra provém uma vibração.

As relações entre as cores e as superfícies monocromáticas, os nomes das personagens — Valentin, Danilo, Ramu, Egor —, que se imaginam anunciados num palco, formam um espectáculo de imagens, artes e referências. Evocam-se as histórias e os feitos do circo e a relação com as imagens no espaço público, do mesmo modo que se insinuam diálogos com a arte pop, com as tiras de Daniel Buren, com a pintura monocromática, com a técnica da colagem. É num espaço situado entre territórios e experiências de ordem estética, no qual se animam alusões autobiográficas, que O braço direito se equilibra.

Na série Mostradores, o espectador depara-se com fotografias. Nomes começados por G (Gaby, Gert, Glenda, Glen, Gioia, Gloria, Günther) identificam figuras ou personagens masculinas e femininas, mas não se vêem rostos, apenas detalhes de corpos — mãos, pernas, nucas. Serão originárias de imagens publicitárias, de livros ilustrados? Stills de filmes? Há fotografias que sugerem um parentesco com Sumiko (2009), um das obras mais emblemáticas de João Penalva, mas ao contrário desta não incluem qualquer texto.

Um olhar mais próximo das imagens permite, entretanto descobrir que estas fotografias não são apenas, ou de facto, fotografias, pois resultam de um trabalho manual sobre as telas. O artista não só acrescentou camadas de tintas sobre as superfícies, como lhes acrescentou tecido e botões, afirmando a natureza tridimensional e táctil da série.

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Aquilo que o espectador observa em Mostradores (uma alusão aos nomes dos cartões em que, antigamente, os botões eram cosidos para serem mostrados) pode ser considerado pintura. Mas esta pintura continua a observar uma relação com a ficção, a solicitar ao espectador as contingências e os equívocos da faculdade da imaginação.

Nas telas, os botões não se limitam a ser um material mais ou menos decorativo, que marca ritmos ou planos, que desestabiliza, pela sua abundância e pela cor, a percepção do que se está a ver. São também ficções que, embora imobilizadas, ameaçam fazer escapar da tela as personagens que dão pelos nomes de Gaby, Gert, Glenda, Glen, Gioia, Gloria, Günther.

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