Costa diz que "não podia" travar demissões

Galpgate: Costa aceita exoneração de três secretários de Estado e um membro do seu gabinete. E prepara remodelação mais ampla, mas sem substituição de ministros. Galp diz que "até ao momento" não foi constituída arguida.

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dro Daniel Rocha

O primeiro-ministro vai mesmo ter de avançar com uma remodelação do Governo, mas por razões inesperadas. De regresso de férias, António Costa foi surpreendido pelo pedido de exoneração de três secretários de Estado — Assuntos Fiscais, Internacionalização e Indústria — para se poderem defender na Justiça no caso Galpgate. “Não podia negar-lhes esse direito”, afirmou António Costa ao PÚBLICO.

“Na semana passada, foram constituídos arguidos dois chefes de gabinete, os secretários de Estado acharam que deviam, eles próprios, tomar a iniciativa de requererem a sua constituição como arguidos e poderem exercer o seu direito de defesa”, explicita o primeiro-ministro.

Os secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade; da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, e da Indústria, João Vasconcelos, anunciaram o pedido de exoneração num comunicado enviado à Lusa, onde dizem já ter solicitado ao Ministério Público a sua constituição como arguidos no inquérito relativo às viagens para assistir a jogos do Euro 2016 pagas pela Galp.

Costa Oliveira, Rocha Andrade e João Vasconcelos afirmam que foram “sempre transparentes” sobre esta questão e “reafirmam a sua firme convicção de que os seus comportamentos não configuram qualquer ilícito”, o que dizem querer “provar no decorrer do referido inquérito”.

“Todavia, nas actuais circunstâncias, entendem que não poderão continuar a dar o seu melhor contributo ao Governo e pretendem que o executivo não seja prejudicado, na sua acção, por esta circunstância”, referem, a propósito do pedido de exoneração.

Fonte das Finanças lamenta a saída dos secretários de Estado, sobretudo de Rocha Andrade, considerando que é o país que fica a perder quando “o populismo toma conta de nós”. Apesar disso, “a política do Governo continuará igual”, garante.

Quando eclodiu o Galpgate, recordou-se que Rocha Andrade tutelava o Fisco, que mantém um contencioso de monta com a Galp. Agora, Rocha Andrade tinha em mãos uma das reformas decisivas do próximo Orçamento, a da reforma dos escalões do IRS. Rocha Andrade e João Vasconcelos eram muito próximos de António Costa, com quem trabalharam na Câmara de Lisboa e a quem acompanharam de perto no Governo.

No comunicado em que o primeiro-ministro anuncia aceitar as exonerações, Costa deixa uma nota pessoal: “Agradeço reconhecido a relevante e dedicada colaboração dos três secretários de Estado nas funções desempenhadas no XXI Governo Constitucional”.

A remodelação do Governo é inevitável mas, segundo afirmou o comentador e conselheiro de Estado Marques Mendes, não deverá atingir nenhum ministro. No seu comentário semanal na SIC, Mendes disse saber que, além dos três secretários de Estado que agora pediram a exoneração, deverão sair outros que, por razões pessoais, já tinham pedido para serem substituídos. E acrescentou que esta “mini-remodelação” só deverá acontecer dentro de oito a dez dias, depois do debate sobre o Estado da Nação de quarta-feira.

Assessor de Costa arguido

O PSD pediu explicações sobre o facto de estas exonerações acontecerem agora. “As razões éticas, morais e políticas já existiam há um ano. O que é que se alterou? O país tem direito a saber, senão só se provoca mais inquietação, angústia e dúvidas”, disse o deputado Carlos Abreu Amorim em conferência de imprensa. O CDS recordou que já havia dito que os secretários de estado não tinham condições para permanecer nos cargos.

Certo é que o processo, que já tem quase um ano, está agora a dar resultados. O PÚBLICO sabe que o assessor económico do primeiro-ministro, Vítor Escaria, já foi constituído arguido, sendo provável que venha a sair do gabinete de António Costa.

Quanto à Galp, durante a madrugada enviou um esclarecimento ao PÚBLICO dizendo que "ate ao momento", a empresa ainda "não foi constituída como arguida" no processo - negando assim uma informação que tínhamos escrito. Até ao momento, ainda não foi possível obter resposta para outra pergunta: se alguém na empresa já o foi.

De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, cada convidado terá custado à empresa até 3000 euros. O processo, que tem cerca de um ano, está a correr no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa e está a ser conduzido pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ.

Em Agosto do ano passado, já depois de ter sido alvo de buscas, a Galp esclareceu que “é comum” e eticamente aceitável convidar para determinados eventos entidades com que se relaciona. “Todos viajam em conjunto de forma aberta e transparente, num voo charter de acesso generalizado, sem qualquer segredo ou tratamento diferenciado, partindo e regressando no próprio dia do jogo”, lia-se na nota enviada pela Galp à Lusa.

Esta justificação pretendia ajudar a esvaziar a criminalização da conduta. Segundo a lei dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos, os altos titulares de cargos políticos estão proibidos de “recebimento indevido de vantagem”.

De acordo com a lei, “o titular de cargo político ou de alto cargo público que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”. Contudo, são excluídas “as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”. Com David Dinis e Pedro Sales Dias

Notícia editada às 01h18 de segunda-feira: a Galp negou que tenha sido constituída arguida no caso.

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