Peões e pulmões

Por alguma razão a palavra “peão” ainda não foi abolida. Traduz bem o desprezo que se tem pelas pessoas que andam a pé.

Chega um camião da Olá. Dois senhores descarregam muitos gelados e bolos, que levam para arrumar no frigorífico do restaurante. Vêem que o prato do dia é bochechas de porco com batata doce. Olham um para o outro com um ar “estás a pensar a mesma coisa que eu?” e decidem sentar-se. Começam a almoçar.

O que é que há de estranho nesta história verdadeira? É que não deixam o motor do camião a trabalhar. O camião deles não fica a fazer barulho e a encher o ar de monóxido de carbono. Não. Até arrumaram legalmente o camião num lugar onde não prejudica a circulação de ninguém.

Vou perguntar-lhes como é que conseguiram. Explicam-me que têm um sistema de frio que não precisa de ter o motor do camião a funcionar. O camião é novo mas o sistema é antigo. Ora a Olá já há uns tempinhos consegue distribuir gelados por Portugal inteiro. Talvez pudesse servir de inspiração a outros camionistas que deixam os camiões estacionados nos passeios públicos com os motores a gasóleo a fazer uma barulheira horrenda enquanto poluem a atmosfera.

Se tivermos a ousadia de perguntar porque é que não desligam o motor eles justificam-se logo: “não pode ser, amigo – é para proteger a mercadoria”. As carrinhas blindadas que transportam dinheiro também fazem o mesmo. Será que só com o motor ligado é que funciona a caixa-forte? Ou será que os euros dos multibancos também são congelados, como os salários?

Por alguma razão a palavra “peão” ainda não foi abolida. Traduz bem o desprezo que se tem pelas pessoas que andam a pé. Até quando?

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