Parlamento 2.0

É necessário criar um consenso que possa levar a uma mudança na forma como o Parlamento comunica com os cidadãos.

O Parlamento português segue, no seu passo, a tendência internacional de reformar consideravelmente a sua presença na Internet para se relacionar de forma mais direta com os portugueses. No fim do primeiro semestre de 2016, o presidente da Assembleia da República (AR), Eduardo Ferro Rodrigues, criou o Grupo de Trabalho para o “Parlamento Digital” (GTPD). Uma iniciativa que procura, nas palavras de Ferro Rodrigues, “aproximar o Parlamento dos cidadãos, comunicando melhor, colaborando com a comunidade para aumentar o escrutínio sobre o Parlamento, e também melhorar a qualidade das ferramentas do trabalho parlamentar”.

Os parlamentos contemporâneos desenvolvem, ou procuraram desenvolver, cada vez mais uma nova função de promoção do envolvimento dos cidadãos na vida parlamentar — para além das funções de legislação, representação, escrutínio e legitimação. E isso acontece, mais acentuadamente, a partir do momento em que indicadores como a apatia e o desinteresse na política, a insatisfação e a falta de confiança nas instituições políticas fizeram soar os alarmes.

O envolvimento público tornou-se, assim, um objetivo e uma das atividades centrais de muitas organizações e instituições políticas pelo mundo fora. E a Internet tornou-se, inevitavelmente, a ferramenta de eleição para desempenhar esta função.

As orientações internacionais de organizações como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ou a Inter-Parliamentary Union e de outros estudos nesta área, ainda que pouco, têm salientado que a promoção do envolvimento público dos cidadãos passa pela melhoria da informação política e da transparência dos procedimentos e das decisões parlamentares, pela comunicação direta e aberta, e pelo envolvimento e participação do cidadão nas decisões parlamentares. Por outras palavras: passa por tornar o Parlamento mais acessível e aberto.

E é exatamente isto que o GTPD tem procurado fazer com resultados já visíveis. Até agora, foram quatro os diplomas recentemente aprovados, e que procuram seguir algumas das orientações internacionais:

1) O website do Parlamento vai ter um novo grafismo, mais intuitivo e com uma nova disposição de conteúdos;

2) O Parlamento vai ter presença institucional nas diversas redes sociais;

3) Vai ser disponibilizada uma plataforma eletrónica que permita a submissão das iniciativas populares;

4) Vai ser criada uma plataforma electrónica não só para a receção de petições mas também para a recolha de assinaturas online.

É com agrado que registamos a vontade política e institucional de alterar o atual paradigma e combater a relação, tão desgastada, entre instituições políticas e cidadãos. Mas não nos iludamos. É necessário, e possível, fazer muito mais.

O que falta fazer no website

Atualmente, o website da AR funciona, quase exclusivamente, como um repositório de informação tradicional, onde os interessados têm de procurar, respondendo, portanto, à satisfação unilateral de uma necessidade. Do ponto de vista da qualidade da informação disponibilizada e da transparência parlamentar é de louvar, mas peca do ponto de vista da interação e do envolvimento ativo dos cidadãos. Apesar do importante trabalho feito na divulgação de informação, reiteramos que é preciso fazer mais e melhor: tornar a linguagem mais simples e os conteúdos mais apelativos e legíveis e, sobretudo, criar pontos de ligação direta entre o Parlamento e os cidadãos. A Internet estabelece uma maior proximidade, imediata, e isso permite ouvir e consultar os cidadãos, e integrá-los no processo de decisão política.

O website do Parlamento português tem ainda um longo caminho pela frente, tem que ser mais do que um repositório de informação que apresenta um design pobre e difícil de manusear, dessa forma é uma ferramenta pouco atractiva. Não é por acaso que se costuma dizer que “o conteúdo é o rei, mas o design é a rainha” — ambos os aspectos são complementares e precisam de ser tidos igualmente em consideração.

Acima de tudo, é preciso perceber o que funciona mal, ou menos bem, na perspectiva dos futuros e atuais utilizadores e não apenas na perspectiva dos funcionários da AR ou dos investigadores que estudam estas temáticas.

Se queremos melhorar o website e envolver mais os portugueses, então precisamos de saber o que os cidadãos acham do atual website. Foi o que fez o Parlamento australiano em 2009: realizou um inquérito online que contou com a participação de 867 indivíduos em todo o país. Os dados revelaram que a maioria dos participantes achava o website do Parlamento pouco satisfatório e a informação disponibilizada confusa e complexa; que a página principal necessitava de melhorias e não era “user-friendly”; e que muitos dos inquiridos desconheciam por completo as várias funcionalidades e conteúdos que o website já possuía. De facto, nem sempre a questão essencial é ter mais conteúdos, mas sim apresentá-los e disponibilizá-los da melhor forma possível.

A importância das redes sociais

Outro dos aspectos relevantes é a ausência do Parlamento (enquanto instituição) nas chamadas redes sociais. Ouvidas em comissão, tanto eu como a Cristina Leston-Bandeira realçámos essa lacuna junto do GTPD. Vários parlamentos têm sabido aproveitar as vantagens trazidas pelas redes sociais para reforçar a comunicação com os cidadãos, nomeadamente com grupos tradicionalmente menos inclinados para o envolvimento político, como os jovens, e, também por isso, com menor probabilidade de se dirigirem ao website do Parlamento. O Parlamento Europeu é o exemplo de excelência, com presença em cerca de 15 redes sociais, como o YouTube, Twitter, Facebook, Flickr, Instagram ou Pinterest.

E por que é que é importante que o Parlamento português esteja nas redes sociais? A resposta não podia ser mais simples: porque a maioria dos portugueses estão nas redes sociais. O número de pessoas que têm acesso à Internet em Portugal duplicou na última década e o número de utilizadores das redes sociais também tem vindo a crescer exponencialmente, tendo triplicado nos últimos sete anos — sendo o Facebook a rede social mais usada, conta com 4,7 milhões de utilizadores portugueses (dados da Marktest, em 2016, e da Facestore, em 2014).

Grande parte dos parlamentos de todo mundo já começaram a desenvolver uma estratégia multicanal, estando presentes em mais do que uma plataforma, o que lhes permite transmitir mensagens diferentes e atingir diversos públicos-alvo consoante as potencialidades das diferentes redes sociais. De facto, atualmente, cerca de 56% dos parlamentos dos 88 países analisados pela Inter-Parliamentary Union têm presença nas redes sociais, sobretudo no Twitter, com o objetivo primordial de “informar os cidadãos sobre políticas públicas e legislação” (dados do World E-parliament Report de 2016). 

As redes sociais são sinónimo de diálogo e interacção. Fica então a advertência que, se o Paramento estiver nas redes sociais apenas para “divulgar informação” e com uma “finalidade informativa” — como consta nas linhas orientadoras do Projecto de Resolução 888/XIII —, vai perder-se muito do potencial que as redes sociais podem trazer para a relação entre parlamento e cidadãos.

O Parlamento não tem uma voz única e é uma instituição coletiva que segue regras e procedimentos institucionais e formais, mas é necessário criar um consenso que posso levar a uma mudança também na forma como o Parlamento português escolhe comunicar com os cidadãos.

A autora escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição.

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