Novo modelo de apoio às artes vai fazer a volta a Portugal

Secretaria de Estado da Cultura leva esta semana a proposta do novo decreto-lei a diferentes cidades do país. Orçamento, calendário dos concursos e a questão dos intermitentes podem motivar reservas e críticas.

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João Silva

A diminuição, de quatro para três, das tipologias dos apoios, incluindo uma nova orientação para as parcerias com as autarquias e as entidades privadas; a manutenção do regime de concursos, obrigatórios mesmo para os apoios sustentados; uma apresentação mais detalhada das disciplinas contempladas e uma nova dinâmica de transversalidade; a definição de uma data (até 31 de Janeiro de cada ano) para a divulgação do plano estratégico para o sector, do montante financeiro disponível e das datas de abertura de cada concurso. São estes os pontos centrais do novo modelo de apoio às artes, que a Direcção-Geral das Artes (DGArtes) vai apresentar a representantes e profissionais do sector a partir desta segunda-feira, com um primeiro encontro no Palácio da Ajuda, seguindo-se sessões regionais, amanhã e quarta-feira, respectivamente em Lisboa (Teatro Nacional D. Maria II) e Faro (Teatro das Figuras), e em Coimbra (Convento de São Francisco) e no Porto (Mosteiro São Bento da Vitória).

O novo modelo tinha sido já prometido, no final do ano passado, pelo secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado. “Vamos corrigir todos os desfasamentos que têm sido criados ao longo destes anos. Uma das prioridades é precisamente a correcção do grande desfasamento dos apoios”, disse então o governante, no Parlamento. E, na semana passada, no decorrer de uma visita ao Barreiro, Honrado – que tutela o sector, através da DGArtes – anunciou a realização dos encontros regionais de apresentação do novo documento, que virá substituir os decretos-lei n.º 225/2006 e 196/2008.

“Após uma década de vigência do regime de atribuição de apoios do Estado às artes estabelecido em 2006, considera-se importante progredir para uma configuração que, a partir dos resultados já alcançados, seja ajustável às dinâmicas próprias de um sector em permanente evolução”, diz o preâmbulo do novo decreto-lei, a que o PÚBLICO teve acesso, e que deverá entrar em vigor em 2018.

A alteração mais notória está na diminuição das tipologias dos programas de apoio, que passam das quatro actualmente em vigor para apenas três: apoio sustentado, para as estruturas profissionais com actividade continuada, mantendo-se o regime bienal e quadrienal; apoio a projectos, de horizonte anual; e apoio em parceria, a estabelecer com outras pessoas colectivas públicas ou privadas, nomeadamente a administração local. “Considerou-se que as anteriores modalidades de apoio indirecto – o protocolo ou acordo tripartido celebrados com as autarquias locais – ficaram aquém dos objectivos subjacentes à sua criação”, justifica a DGArtes.

O novo texto explicita ainda que se “mantém o concurso como regra para a atribuição dos apoios”, sendo este “a única forma de acesso às modalidades de apoio sustentado, bem como a possibilidade de celebração de protocolos, desta feita limitada ao programa em parceria”.

Plano estratégico em Janeiro

Caberá ao secretário de Estado da Cultura, sob proposta da DGArtes, “aprovar o plano estratégico plurianual, que fixa as principais linhas do apoio às artes”, diz também o documento, especificando que esta direcção-geral publicará esse plano no início de cada ano, até 31 de Janeiro.

E aqui surgem algumas das dúvidas e reservas previsíveis a este modelo. Na data acima referida, a DGArtes anuncia a abertura de concursos para esse ano civil, ou para a temporada seguinte? “Os calendários e os prazos dos concursos não são definidos; é tudo muito confuso e ambíguo”, diz Jorge Louraço Figueira. O dramaturgo, encenador e ex-crítico de teatro do PÚBLICO lembra que “este decreto-lei surge no fim de um ano de interregno, com a justificação de se querer acertar o calendário”, e lamenta que ele não esclareça "se o financiamento é para seis ou 12 meses, ou para que temporada", o que significa que estará sempre atrasado relativamente às necessidades das companhias e dos profissionais.

O PÚBLICO fez uma ronda por vários grupos de teatro e companhias de dança a pedir uma primeira apreciação à nova proposta do Governo, mas a maioria dos contactados disse não o conhecer ainda, tendo apenas recebido a convocatória para as reuniões desta semana. André Albuquerque, da direcção do novo Cena/STE - Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo, do Audiovisual e dos Músicos, eleita no passado dIa 28 de Junho após a fusão das duas entidades, explicou que só irá conhecer o texto esta segunda-feira, quando se deslocar ao Palácio da Ajuda para o primeiro encontro agendado pela Secretaria de Estado da Cultura (SEC).

“Ficámos espantados quando fomos convocados apenas um dia antes da apresentação e discussão pública do documento, sem nos ter sido dado conhecimento prévio do mesmo; mais ainda quando nos pedem uma opinião sobre ele”, comentou Albuquerque (que, como a restante direcção do sindicato, tomou posse este domingo).

A SEC realizou, durante os últimos meses, reuniões com representantes do sector, e promoveu um inquérito, coordenado por uma equipa do Centro de Investigação e Estudos em Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, do Instituto Universitário de Lisboa.

Comentando ainda o novo documento, Jorge Louraço Figueira vê como positivo o facto de apresentar “uma aparente simplificação do modelo, com menos tipologias de apoios e uma segmentação maior do tipo de actividades que podem ser apoiadas”. Mas teme que “uma grande parte da decisão do financiamento fique dependente dos serviços da DGArtes – que tem os recursos humanos reduzidos ao mínimo –, e não de comissões de avaliação”.

O encenador e dramaturgo lamenta também que o novo modelo não se refira aos orçamentos, e deixe de fora “a regulamentação das situações de precariedade e da intermitência”, além de ser igualmente omisso quanto à questão da rede de cineteatros e equipamentos culturais espalhados pelo país. E argumenta ainda que o novo decreto-lei “foca-se excessivamente na administração e na fatia profissional do sistema”, e continua muito pensado na óptica da criação e dos profissionais do sector. “Esquece a fruição; esquece os amadores, os espectadores, ou seja, a comunidade, que faz a outra metade que está consagrada na Constituição e legitima a política cultural do Estado”.

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