Histórias do Tour: A polémica camisola de Ramon Sinkeldam

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Ramon Sinkeldam DR

Desengane-se quem espera vislumbrar o campeão holandês entre os participantes da 104.ª Volta a França. Não é que ele lá não esteja - o seu dorsal é o 146, e o seu nome é Ramon Sinkeldam -, mas, a menos que tenha algum poder sobre-humano ou alguma lupa especial, dificilmente conseguirá aperceber-se das discretas listas, estampadas, na zona do peito, sob um fundo branco que interrompe o denso negro da camisola da Sunweb. Sem querer, Sinkeldam é o homem do momento na Holanda, e não pelos melhores motivos.

Quando ganhou a prova de fundo dos campeonatos nacionais, num mano a mano com Wouter Wippert (Cannondale-Drapac), que exigiu desempate no photo finish, e, exultante, subiu ao pódio para envergar a mais patriótica das camisolas (o vermelho, branco e azul tinham a dimensão da própria bandeira holandesa), este antigo especialista de ciclocrosse, de 28 anos, estaria longe de imaginar que a sua conquista gerasse tamanho rebuliço. E nem é a sua vitória que está em causa, mas sim a polémica decisão da Sunweb, que decidiu ignorar o feito honroso do seu corredor em prol do patrocinador.

Não é a primeira, nem será a última vez que isso acontece. Em 2014, a Astana "escondeu" o estatuto de campeão italiano de Vincenzo Nibali, resumindo-o a uma pequena bandeira no peito, e até a Movistar, que desaconselha os seus ciclistas a conquistarem o título nacional, manteve o seu característico azul, condensando as cores espanholas no centro da camisola usada por Alejandro Valverde, em 2015.

Contudo, numa nação que preserva e estima os símbolos nacionais, a opção da Sunweb causou celeuma. Antigos e actuais ciclistas holandeses como Thomas Dekker, Thijs Zonneveld, Reinier Honig, Erik Dekker ou Lars van der Haar foram impiedosos nas críticas. E até Niki Terpstra, campeão em 2014 e um dos maiores símbolos da modalidade na Holanda, não se furtou a dar a sua opinião. “É uma tricolor com um significado tremendo”, lamentou o corredor da Quick-Step Floors nas páginas do De Telegraaf, lembrando que sempre se sentiu “muito orgulhoso” ao vestir as cores de um país com “uma grande tradição velocipédica”.

“Este é um desporto de equipa e é precisamente essa a mensagem que queremos transmitir”, defendeu-se a Sunweb, argumentando que assim será mais fácil para os colegas distinguirem Sinkeldam no pelotão. Pouco acostumado à atenção mediática, o rapaz de Zaandam tem-se mantido mudo perante tamanha confusão.

Profissional desde 2012, quase sempre nas variantes da Sunweb, o campeão holandês de estrada entrou no ciclismo pela porta do ciclocrosse, vertente que pratica desde os nove anos. Em 2006, no seu primeiro ano como júnior, subiu ao pódio nos campeonatos nacionais da especialidade e, no ano seguinte, sagrou-se campeão holandês, conquistou o bronze nos Europeus e o quarto lugar nos Mundiais. Os resultados de destaque conduziram-no, no final de 2007, ao maior viveiro de talentos da Holanda, a equipa satélite da Rabobank. O segundo lugar na categoria sub-23 dos nacionais de estrada, em 2009, reformulou a sua carreira. Apesar de nunca ter abdicado do ciclocrosse, Sinkeldam agarrou-se à vertente rainha do ciclismo e, em 2011, sagrou-se campeão nacional de sub-23, venceu o Paris-Roubaix de esperanças e foi oitavo na Volta ao Alentejo.

Dono de um palmarés e de uma carreira discretos – tem apenas seis vitórias como profissional, com o triunfo na Binche-Chimay-Binche (2015) a ser o segundo mais importante após o título nacional -, o corredor da Sunweb tem o condão de só ser notícia pelos piores motivos. Há ano e meio, o seu nome soou com força, por ter sido um dos seis ciclistas da equipa holandesa atropelados durante um treino em Alicante. Agora, está de regresso à actualidade, contra a sua vontade. Com os compatriotas tão descontentes, a defesa de Sinkeldam foi feita por um alemão, o sprinter John Degenkolb, seu antigo colega. “Foi um grande companheiro durante anos. Não se queixem do desenho da sua camisola. Limitem-se a ficar felizes por ele”.

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