OMS emite alerta sobre superbactéria da gonorreia

Não existe tratamento para esta estirpe de gonorreia que se transmite por via sexual. Especialistas falam em “situação muito preocupante” e insistem que é urgente desenvolver novos fármacos.

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Foram reportados casos de infecções por gonorreia resistentes a todos os antibióticos disponíveis João GUILHERME

Foram já confirmados três casos de infecção, no Japão, em França e Espanha, por uma estirpe de gonorreia que é resistente a todos os antibióticos disponíveis. O alerta para esta “superbactéria” que é transmitida através de relações sexuais desprotegidas foi feito esta sexta-feira pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os especialistas avisam que o problema está a disseminar-se e insistem no apelo ao desenvolvimento de novas armas terapêuticas.

“A gonorreia é uma bactéria muito inteligente. Sempre que usamos uma nova classe de antibióticos para tratar a infecção, a bactéria encontra uma forma de se tornar resistente”, refere Teodora Wi, especialista em reprodução humana na OMS. Segundo as estimativas apresentadas no comunicado divulgado esta sexta-feira, todos os anos cerca de 78 milhões de pessoas são infectadas com gonorreia em todo o mundo. Através de sexo oral, vaginal ou anal, a bactéria Neisseria gonorrhoeae infecta os órgãos genitais, o recto e a garganta. A infecção pode levar à doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica e infertilidade, além de aumentar o risco de contrair o vírus da sida.

Em declarações à agência Reuters, Teodora Wi mencionou dois estudos recentes sobre esta doneça sexualmente transmíssivel (DST)  publicados na revista PLOS Medicine e adiantou que estavam actualmente documentados três casos específicos – no Japão, em França e Espanha – de linfomas de gonorreia contra os quais não existe nenhum antibiótico eficaz. “Estes são casos que podem infectar outros. São transmissíveis”, confirmou, acrescentando que estes primeiros casos conhecidos “podem ser apenas a ponta do icebergue, uma vez que os sistemas para diagnosticar e relatar infecções intratáveis não funcionam em países pobres, onde a gonorreia é realmente mais comum”. A infecção pode ser prevenida com simples medidas de protecção e sexo seguro, como o uso de preservativo em qualquer tipo de contacto sexual, seja ele vaginal, anal ou oral.

“A nível mundial tem havido uma tendência progressiva para o aumento das resistências em diversos microorganismos, um dos quais é a bactéria que provoca gonorreia. Há notificação desde há bastante tempo de aumento global das resistências desse microorganismo que tem colocado alguns problemas terapêuticos. Mas, no nosso meio, não temos uma evidência de um aumento muito significativo embora haja uma tendência para aumentar os perfis de resistência em várias bactérias e nessa também. No entanto, situações muito prevalentes de resistências muito elevadas ainda não há registo”, adianta ao PÚBLICO Paulo André Fernandes, director do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos da Direcção-Geral de Saúde. 

O programa da OMS que tinha como objectivo acompanhar o aparecimento de casos de gonorreia resistente aos fármacos detectou, no período entre 2009 e 2014, uma resistência generalizada ao medicamento de primeira linha ciprofloxacina (antibiótico da família das quinolonas), um aumento da resistência ao antibiótico azitromicina e do aparecimento de resistência ao tratamento de último recurso conhecidos como “cefalosporinas de largo espectro”.

Segundo este documento, na maioria dos países estas terapias de último recurso são já as únicas que apresentam alguma eficácia no tratamento da gonorreia. E, mesmo assim, a resistência a estes fármacos de última linha já foi declarada em 50 países.

Manica Balasegaram, director da Parceria Global de Investigação e Desenvolvimento de Antibióticos, considera que a actual situação é muito preocupante e fala na “necessidade urgente” de desenvolver novos medicamentos. Em desenvolvimento nos laboratórios de empresas farmacêuticas estarão apenas três novos potenciais fármacos para a gonorreia e não existe nenhuma garantia quanto aos resultados finais sobre a sua eficácia, adianta este responsável.

Corrida contra o tempo

“Precisamos urgentemente aproveitar todas as oportunidades que já temos com os medicamentos que existem e os candidatos existentes em pipeline”, defendeu. “Qualquer novo tratamento desenvolvido deve ser acessível a todos os que necessitem dele, assegurando que seja usado adequadamente, de modo a que a resistência a medicamentos abrande o mais possível.”

No início deste ano, a OMS lançou um alerta mundial sobre a necessidade de desenvolver novos antibióticos para combater 12 famílias de bactérias que estavam a revelar perigosas resistências. Na altura, a agência de saúde das Nações Unidas descrevia estes “agentes patogénicos prioritários” como as maiores ameaças para a saúde humana e adiantava que muitas dessas bactérias já evoluíram para superbactérias mortais.

“A resistência aos antibióticos está a crescer e estamos rapidamente a ficar sem opções de tratamento”, avisou na altura Marie-Paule Kieny, directora-geral adjunta da OMS para os sistemas de saúde e inovação. Aliás, os alertas têm sido constantes. Naquele que foi seu primeiro relatório global sobre resistência antimicrobiana, de 2014, com dados de 114 países – Resistência Antimicrobiana – Relatório Global sobre Vigilância, a OMS dizia que a disseminação de superbactérias que escapam até aos mais poderosos antibióticos já não era uma previsão do futuro mas uma ameaça no presente. “O mundo está a caminhar para uma era pós-antibióticos, em que as infecções comuns e os pequenos ferimentos, tratáveis há décadas, podem voltar a matar”, dizia então Keiji Fukuda, subdirector para a área da segurança na saúde da OMS.

A resistência aos medicamentos é provocada pelo mau uso e uso excessivo de antibióticos, o que encoraja as bactérias a desenvolverem novas formas de sobreviver a esses tratamentos. Enquanto isso, o desenvolvimento de novas armas terapêuticas é lento e não está a conseguir responder às estratégias destes inteligentes e rápidos agentes patogénicos. É uma corrida contra o tempo que, aparentemente, estamos a perder. 

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