Juiz condenado por violência doméstica, incluindo “ausência de relações sexuais”

O arguido é acusado de maus-tratos "físicos e psíquicos" à antiga companheira. Os dois mantiveram um relacionamento durante 11 anos.

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Enric Vives-Rubio

O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) condenou por violência doméstica um antigo presidente do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela por "maus-tratos físicos e psíquicos" à companheira, que incluem "a ausência de relações sexuais" durante 11 anos.

O acórdão, a que a agência Lusa teve acesso nesta quinta-feira, deu como provado que, além das agressões físicas e verbais, a recusa de o arguido manter relações sexuais com a ofendida, com quem vivia em união de facto, constitui "um factor atentatório da dignidade e da saúde mental e social" da mulher, "que, pelo menos, tem um desejo sempre manifestado de procriar".

"O facto de ao longo de 11 anos não ter mantido com a ofendida relações sexuais de cópula completa (...) integra um grave e muito intenso mau trato psíquico (...), não obstante saber, como ele próprio admite, que a companheira ofendida sempre quis casar e ter filhos da relação que os unia", sublinha o acórdão da Relação de Guimarães, datado de 3 de Julho.

O arguido, agora com 51 anos, e a ex-companheira, actualmente com 42 anos, iniciaram uma relação em 1999 e em meados de 2001 começaram a viver juntos, no Porto. A 9 de Agosto de 2011, a mulher confessou pela primeira vez a uma médica do centro de saúde de Mirandela "ser vítima de violência doméstica" e que ainda "era virgem", sendo este último facto provado por relatório clínico que consta dos autos.

A separação do casal ocorreu a 19 de Outubro de 2012, dia do último episódio de violência que, por vezes, contemplavam "bofetadas, pontapés" e empurrões "contra a parede e contra a cama".

"O recorrido [arguido] infligiu à vítima agressões físicas e verbais atentatórias da sua dignidade de pessoa humana, humilhando-a, achincalhando-a e fazendo críticas e comentários que, por si só, integram maus-tratos psíquicos", frisa o TRG. Assim, os juízes desembargadores concluem que o antigo juiz "infligiu maus-tratos físicos e graves e reiterados maus-tratos psíquicos à ofendida", tendo assim cometido, "sem dúvida, o crime de violência doméstica" que lhe estava imputado.

A 5 de Setembro do ano passado, o arguido havia sido julgado e condenado pelo Tribunal de Bragança a uma pena suspensa de dois anos e onze meses de prisão por adulterar o estado de dezenas de processos, passando-os para concluídos, quando ainda não havia sentença, para "viciar" estatísticas e "aumentar artificialmente" a sua produtividade. Nesse julgamento, o juiz estava ainda acusado de violência doméstica sobre a antiga companheira, mas o tribunal de primeira instância decidiu pela sua absolvição deste crime, por considerar "a prova insuficiente".

Inconformada com a decisão, a defesa da ofendida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que veio agora reverter o acórdão do Tribunal de Bragança e condenar o arguido a dois anos e três meses de prisão pelo crime de violência doméstica, mantendo os dois anos e onze meses de prisão pelos crimes de falsidade informática e abuso de poder, relativos à adulteração dos processos.

O TRG determinou aplicar, em cúmulo jurídico (juntando as duas penas), a pena única de quatro anos de prisão, suspensa na condição de o arguido pagar à antiga companheira uma indemnização de 12 mil euros, no prazo de um ano, "por danos morais".

Contactada pela Lusa, Leonor Valente Monteiro, advogada da ofendida congratulou-se com esta decisão. "O acórdão ainda não transitou em julgado, pelo que poderá ainda vir a ser alvo de recurso para o Supremo. Tecnicamente, o arguido ainda se presume inocente. Mas considero ter sido feita finalmente justiça. As vítimas têm de acreditar na justiça e lutar pelos seus direitos até esgotadas todas as instâncias", afirmou a advogada.

Também contactado pela Lusa, Luís Noronha Nascimento, advogado do arguido, diz que apenas foi notificado do acórdão na tarde de quarta-feira e que ainda não teve oportunidade para analisar a fundamentação do Tribunal da Relação de Guimarães.

O juiz foi suspenso em 2012 e tendo-lhe sido aplicada, dois anos depois, a pena de demissão no âmbito de um processo disciplinar.

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