Medina Carreira (1930-2017): Ser pobre ou viver como suecos ou alemães

Quando Medina Carreira e Silva Lopes se juntavam eram inevitáveis as histórias do tempo em que ambos, no período conturbado do pós 25 de Abril, lembravam o período de emergência em que não havia divisas para pagar as importações.

Foto
LUSA/ANTONIO COTRIM

“Com este panorama europeu, com a incapacidade para executar aqueles mínimos essenciais para atrair investimento e com incapacidade para reduzir a despesa pública, diria que estamos a caminho de uma grande crise financeira pública em Portugal dentro de poucos anos”. 

A afirmação é de Henrique Medina Carreira e, ao contrário do que à primeira vista se poderia supor, não foi proferida em 2010 ou 2011, quando Portugal estava prestes a pedir ajuda externa. A frase é de 2015, já depois de o país ter tido uma saída "limpa" do programa de austeridade imposto pela troika de credores e exemplifica a postura pessimista, para uns, e realista, segundo o próprio, que Medina Carreira sempre colocou nas suas intervenções.

Nasceu em Bissau a 14 de Dezembro de 1930 e morreu esta segunda-feira aos 86 anos, em Lisboa. Antigo militante do Partido Socialista, com que rompeu, apoiou a candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República em 2006 e foi presença assídua na televisão nos últimos anos, tornando-se num comentador político e de assuntos económicos reconhecido pelo grande público. Formou-se em Direito e em Engenharia Mecânica, tendo também frequentado o curso de Economia do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, o actual ISEG, em Lisboa.

Dos vários cargos que desempenhou ao longo da vida, o mais marcante foi o de ministro das Finanças no I Governo Constitucional liderado por Mário Soares entre Junho de 1976 e Janeiro de 1978. Por esta altura, e bem perto do Ministério das Finanças, na Praça do Comércio, em Lisboa, estava Silva Lopes (1932-2015), então governador do Banco de Portugal, cargo que desempenhou entre 1975 e 1980. Nos últimos anos, quando Medina Carreira e Silva Lopes se juntavam eram inevitáveis as histórias do tempo em que ambos, no período conturbado do pós-25 de Abril, lembravam o período de emergência em que não havia divisas para pagar as importações.

Mas esta não fora a primeira missão de Medina Carreira num Governo. Antes tinha feito parte do VI Governo provisório liderado por Pinheiro de Azevedo. A cadeira de ministro das Finanças era ocupada por Salgado Zenha e Medina Carreira, com a secretaria de Estado do Orçamento, era um dos seus nove secretários de Estado. Consigo estavam ainda nomes como os de Vítor Constâncio (secretário de Estado do Planeamento e Orçamento) ou Artur Santos Silva (secretário de Estado do Tesouro).

Fundador do PS, acabou por abandonar a militância em ruptura aberta com o líder socialista e primeiro-ministro de então António Guterres. A gota de água ocorreu quando Pina Moura, ministro das Finanças no segundo executivo de Guterres, decidiu guardar na gaveta o projecto de reforma de tributação do património pedido a Medina Carreira por Guterres, mas ainda com Sousa Franco a ocupar a cadeira das Finanças.

Em 2002 apoiou abertamente o programa de Governo apresentado por Durão Barroso e, em particular, o choque fiscal. Não passou muito tempo para que a desilusão se apoderasse dele, tendo sido um forte crítico da saída de Durão Barroso da chefia do Governo para a presidência da Comissão Europeia.

Muito crítico da classe política em geral, Medina Carreira era sempre cáustico em relação ao modo de vida dos portugueses. “É legítimo que uma sociedade diga: 'quero ser pobre, não estou para me chatear, gosto de pontes, de praia, de sol e de sardinha assada'. O que não é inteligente é dizer que, depois disto, queremos viver como os suecos ou como os alemães”.

Notícia corrigida às 13h19 de 04/07/2017: Medina Carreira nasceu a 14 de Dezembro de 1930 e não 14 de Janeiro de 1931.

Sugerir correcção
Ler 61 comentários