Crianças e jovens em risco ultrapassam barreira dos 70 mil desde 2013

Relatório da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos das Crianças foi entregue no Parlamento. Mais de 3200 menores foram retirados às famílias e acolhidos em instituições.

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Paulo Pimenta

O relatório de 2016 das comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ), entregue ontem na Assembleia da República, continua a apontar como “insuficientes” os meios colocados nestas estruturas para fazer face ao número de processos, em decisões determinantes para a vida das crianças e das suas famílias.  

Em 2016, o número de crianças sinalizadas como estando em perigo, por alguma razão, e que foram acompanhadas nas 308 comissões em todo o país baixou, pela primeira vez, desde 2011. Mas continuou acima dos 70 mil (foram 71.016). Quem avalia e trabalha os processos são as chamadas “comissões restritas” de profissionais cedidos às CPCJ por entidades como os municípios, os ministérios da Saúde ou da Educação, ou o Instituto da Segurança Social.

“O número de horas semanais disponibilizadas pelas entidades aos seus representantes, na comissão restrita é insuficiente, tendo em conta que sete ou oito horas representam apenas um dia de trabalho por semana”, refere o relatório da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos das Crianças que acrescenta que “este foi um dos constrangimentos ao desenvolvimento da actividade mais referido pelas CPCJ”. Sete ou oito horas semanais é, em média, o que dedica cada membro de uma comissão restrita aos processos que tem em mãos.

Nas comissões que lidam com mais processos, nos distritos de Lisboa, do Porto e de Setúbal, essa disponibilidade é muito superior, mas isso também significa que nalgumas CPCJ do país, os membros do núcleo que decide estão menos de um dia por semana dedicados a trabalhar os processos que lhes chegam.

São os membros da “comissão restrita” que decidem uma das seis medidas de promoção e protecção previstas na lei: apoio junto dos pais ou junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para autonomia de vida, acolhimento familiar ou retirada à família e acolhimento residencial. Em 2016, após a avaliação das CPCJ, 35.950 situações de perigo implicaram a aplicação de pelo menos uma dessas medidas, que de acordo com a lei são revistas 12 ou 18 meses depois. Ou seja, para cerca de metade das crianças acompanhadas pelas CPCJ foi aplicada uma medida de promoção e protecção.

Quanto a processos arquivados foram 38 mil. Razões? Apenas em 15% dos casos porque depois de avaliada a situação da criança o perigo que tinha sido sinalizado à CPCJ acabou por não se confirmar. Nas restantes situações por razões como o processo ir directamente para tribunal (o que acontece quando há abusos sexuais, por exemplo, ou quando a família não concorda com a intervenção da CPCJ), ou a criança ter ido para o estrangeiro ou ter atingido a maioridade. Mas também, noutros casos, porque a situação de perigo foi ultrapassada após intervenção.

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Aumentar

O facto de o número de processos arquivados estar em alta é o sinal de que “mais situações estão sanadas” e que “as comissões de protecção estão a ganhar mais capacidade de resposta”, sublinhou a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, num encontro com jornalistas em Maio, para a apresentação de uma síntese do relatório. Mas se o número de processos arquivados aumenta, também o número de reabertos tem vindo a crescer. Passou de 6253, em 2012, para 8352, em 2016. A reabertura “não significa necessariamente que a situação que levou à abertura do processo não tenha ficado resolvida”, acrescentou a governante. “Pode tratar-se de uma situação que ficou sanada e que, anos mais tarde, teve de voltar a ser acompanhada.”

Alguma coisa está a falhar? “Essa é uma área sensível”, acrescentou Ana Sofia Antunes. “Se por um lado podemos ser muito criticados por aplicar muitas medidas em meio natural de vida, podemos também ser muito criticados pela retirada de crianças às famílias.”

3242 encaminhadas para instituições

A medida menos vezes aplicada continua a ser a entrega da criança em perigo a uma família de acolhimento: para 94 foi determinada essa solução. A medida mais frequentemente aplicada continua a ser a não retirada e o apoio junto dos pais. No ano passado, mais de 27 mil crianças e jovens foram abrangidos por este tipo de intervenção, o que representou 78,4% do total, e 3427 ficaram com um familiar. Em contrapartida, 3242 foram retiradas às famílias e acolhidas em residências.

Desse conjunto de crianças e jovens institucionalizados no ano passado, 483 são bebés ou crianças com menos de cinco anos e 377 têm entre seis e dez anos. A grande maioria das crianças ou jovens acolhidos em centros têm entre 15 e 21 anos: houve 1681 situações.

Em tendência crescente estão as situações dos jovens que assumem comportamentos desviantes. Estão a aumentar desde 2013, e passaram a ser em 2016 a terceira situação de perigo mais diagnosticada, depois da exposição a comportamentos que prejudicam a criança e da negligência.

A “exposição a comportamentos que possam comprometer o bem-estar e o desenvolvimento da criança” — a situação mais sinalizada desde 2012 —, “tem tido um crescimento exponencial”. Subiu de 12 pontos percentuais nos últimos seis anos. Num total de 12.851 situações em 2016, quase 70% foram relativas à exposição a violência doméstica.

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