Auditoria ao “apagão” dos offshores só chega ao Parlamento depois de passar pelo fisco

Informações técnicas do relatório da Inspecção de Finanças serão confirmadas pela autoridade tributária para garantir protecção do sigilo fiscal.

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A IGF, liderada por Vítor Braz, teve a colaboração do Instituto Superior Técnico MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

A auditoria às falhas do fisco no processamento de 10.000 milhões de euros de transferências para offshores está concluída. O relatório elaborado pela Inspecção Inspecção-Geral de Finanças (IGF) já chegou ao gabinete do ministro das Finanças, mas, antes de ser divulgado, o documento será revisto pelo próprio fisco para garantir que não há quebra de sigilo fiscal relativamente a algumas informações.

O Ministério das Finanças confirmou ao PÚBLICO que o relatório já foi entregue à tutela (a data estabelecida pela IGF era a última sexta-feira), prevendo-se que o documento seja enviado ao Parlamento depois de protegidos alguns dados técnicos. Não há, no entanto, uma data para o relatório chegar às mãos dos deputados.

“Após a confirmação pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que a divulgação de algum dos seus elementos, nomeadamente dados técnicos, não compromete a segurança das operações da AT, o relatório será enviado à Assembleia da República e posteriormente divulgado”, adiantou o gabinete do ministro Mário Centeno, através da assessoria de imprensa.

Na origem da auditoria está uma discrepância de 9800 milhões de euros encontrada pela administração tributária no registo interno das transferências para offshores realizadas de 2011 a 2014. De acordo com a informação que hoje se conhece, o montante enviado para contas sediadas em paraísos fiscais a partir de Portugal (comunicado à AT pelos bancos) rondou os 16.900 milhões de euros e não 7100 milhões de euros, como se pensava inicialmente.

A divergência foi detectada no ano passado quando o fisco, depois de tratar as declarações das transferências realizadas em 2015, aplicou a nova versão do software de suporte a esse tratamento informático às declarações dos anos anteriores. E foi aí que se encontraram cerca de 21 mil operações que não tinham passado do sistema local de recepção dos dados para o sistema central de informação, ficando inacessíveis à área de inspecção tributária.

O caso foi revelado em Fevereiro, quando o PÚBLICO, ao consultar as estatísticas mais recentes publicadas no Portal das Finanças, identificou uma grande divergência, na ordem dos 10.000 milhões de euros, nas estatísticas ali publicadas em relação aos valores que a autoridade tributária tinha revelado no mesmo site em Abril de 2016. Entre 2011 e 2015 não foram divulgadas estatísticas.

A auditoria da IGF, já então ordenada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, veio depois a ter a colaboração de peritos do Instituto Superior Técnico (IST). Para se procurar uma explicação para as anomalias encontradas, a IGF realizou peritagens ao sistema de informação e controlo das declarações recebidas pelos bancos (as chamadas declarações Modelo 38), obrigando a testes no Reino Unido.

A IGF, liderada pelo inspector-geral Vítor Braz, teve reuniões com a empresa OpenSoft, que desenvolveu as aplicações de tratamento da informação PowerCenter e PowerExchange. Os produtos são produzidos e licenciados pela multinacional Informatica, a quem a IGF pediu que realizasse peritagens com várias configurações desta tecnologia. Nuns primeiros testes, feitos em Lisboa a 8 e 11 de Maio, os resultados foram inconclusivos sobre a origem do problema; e a estes seguiram-se novas peritagens nas instalações da multinacional no Reino Unido. Daí terá resultado um relatório definitivo cujas conclusões ainda não são conhecidas e que farão parte da auditoria da IGF.

Os bancos são obrigados a enviar ao fisco, todos os anos, uma declaração com cada uma das transferências feitas a partir de Portugal para contas sediadas em paraísos fiscais, quando essas operações têm um valor igual ou acima de 12.500 euros. Cabe às instituições fazerem-no até ao final de Julho de cada ano (relativamente às transferências realizadas no ano anterior), o que significa que, neste momento, a AT ainda está a receber as informações relativas ao envio de fundos realizados em 2016.

A auditoria foi pedida à IGF pelo secretário de Estado a 30 de Dezembro do ano passado, mas não se sabe, por ora, em que momento a entidade liderada por Vítor Braz a iniciou.

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