O combate pela paz em Angola

Quando deixar de ser Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos terá direito a uma pensão vitalícia correspondente a 90% do salário, a uma casa, uma viatura automóvel com seguro e a uma passagem aérea em primeira classe quando realizar a sua viagem anual de férias. Tudo isto faz parte das regalias a atribuir na sequência da proposta de lei do MPLA, o partido que domina o poder e se fez confundir com o Estado, em que se estipula que o chefe de Estado angolano que cessar mandato passa a ser designado por “Presidente da República emérito”.

Todas as regalias mencionadas seriam quase anedóticas se não fossem vistas como o enchimento à volta da principal questão: a atribuição de imunidade criminal e civil, o que permite a manutenção de José Eduardo dos Santos à margem das leis aplicáveis à população em geral.

O diploma em causa é parte do puzzle que está a ser construído em Angola na sequência da abdicação de Eduardo dos Santos, por questões de saúde. O actual Presidente não sai porque quer, sai porque tem de sair. Porque, de outra forma, não conseguia assegurar sem sobressaltos o futuro que ainda lhe resta, nem o da sua família e o dos que giram à sua volta. Em boa verdade, ao assegurar o statu quo dos que estão no poder, ajuda também a assegurar a paz em Angola. Movimentos repentinos num país com tantas desigualdades e com uma história de décadas de guerra levariam os que detêm o dinheiro e o poder a puxar pelas armas para defender o que tomaram para si.

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Aqui entram as peças do puzzle formadas pela candidatura de João Lourenço. Ninguém tem dúvidas de que é ele quem vai ganhar as presidenciais de 23 de Agosto, nem de que será um elemento fulcral na transição para o “pós-Zedu”. Discreto, não é visto como um dos que abusaram do acesso às riquezas do país, beneficiando, não da imunidade, mas sim da impunidade. General na reserva, este militante do MPLA terá de fazer o equilíbrio entre os que esperam e desejam mudanças e os que se recusam a partilhar o que é de todos.

Pelo meio, há que proteger o actual Presidente e a sua família, num contexto de pressão financeira. Depois de ter perdido a oportunidade de fazer muitas das melhorias de que o país precisa quando havia dinheiro a entrar em grande volume, Angola olha agora para o preço do petróleo a orbitar nos 50 dólares por barril, com quebra de divisas e investimento, ao mesmo tempo que o grande abastecedor de riqueza, a Sonangol, está a passar por uma reestruturação forçada. Mesmo assim, a verdade é que, embora haja menos para distribuir, pode-se fazê-lo de forma mais equitativa. Essa é a missão que cabe a João Lourenço, se quiser, ele próprio, evitar rupturas.

Para Portugal, uma solução que passe pela manutenção da paz e pela melhoria das condições de vida dos angolanos seria o melhor cenário. Seja pelas ligações que ficaram do passado, seja pelas relações do presente. Não há país europeu com maior dependência da África Subsariana do que Portugal, em termos de negócios, e isso deve-se a Angola. Há uma rede de participações cruzadas, e milhares de empresas exportam para este país, onde outros milhares de pessoas estão a trabalhar.

Neste momento, seja ou não por causa das eleições ou da necessidade de repor stocks, as vendas para Luanda estão a recuperar (embora longe dos picos de 2013). Para se perceber o peso deste país, essa recuperação explica boa parte do crescimento das exportações, e do PIB, no primeiro trimestre. Angola merece ter um futuro em que a riqueza seja partilhada de forma mais equitativa, e Portugal tem também um papel a desempenhar no período que se seguir às eleições, sem complexos de neocolonialismo.

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