Missão do Parlamento Europeu aterra em Lisboa para fazer perguntas sobre offshores

A comissão de inquérito aos Panama Papers vem de Bruxelas para tratar, também, de outros assuntos relacionados com paraísos fiscais, como o "apagão" que o PÚBLICO noticiou em Fevereiro.

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Ana Gomes é uma das eurodeputadas que vem a Portugal no âmbito da comissão de inquérito Nuno Ferreira Santos

A comissão de inquérito do Parlamento Europeu aos Panama Papers envia esta quinta-feira uma missão de eurodeputados a Portugal para recolher informação junto das autoridades portuguesas sobre transferências para paraísos fiscais e a luta contra o branqueamento de capitais e a evasão fiscal. Os deputados também querem saber sobre o “apagão informático” que não registou um valor de quase 10 mil milhões de euros para offshores.

Esta missão de “apuramento de factos” tem encontros previstos com o ministro e ex-ministros das Finanças, deputados, a procuradora-geral da República, representantes do Banco de Portugal e sociedade civil (ver caixa). Integra-se no âmbito dos trabalhos da comissão de inquérito do Parlamento Europeu, criada no seguimento do escândalo dos Panama Papers, com mandato para investigar alegadas contravenções ou má administração na aplicação do direito europeu relacionadas com o branqueamento de capitais e elisão e evasão fiscais.

“Espero saber quanto foi transferido, para que paraísos fiscais e quem interveio nessas operações”, diz ao PÚBLICO Ana Gomes, vice-presidente da comissão de inquérito, referindo-se ao “apagão informático”. “Na reunião com Mário Centeno espero que ele possa esclarecer relativamente às transferências realizadas no âmbito dos Panama Papers”, assume o eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes.

Em Fevereiro, o PÚBLICO revelou que o Fisco deixou sair entre 2011 e 2014 perto de 10 mil milhões de euros para offshores sem monitorizar ou publicar quaisquer dados sobre as transferências. São montantes muito significativos que não foram objecto de tratamento ou de controlo por parte da Autoridade Tributária, embora tenham sido comunicados ao Fisco pelos bancos, como a lei obriga.

Por outro lado, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, revelou recentemente na comissão de inquérito do Parlamento Europeu que Portugal está a investigar 165 contribuintes – pessoas colectivas e singulares – referidos nos Panama Papers.

Ana Gomes espera que seja revelado rapidamente o relatório da Inspecção-Geral de Finanças sobre o que terá acontecido em relação ao “apagão”. “Não compreendo por que não é tornado público”, diz. A eurodeputada do PS considera fundamental saber se houve “uma análise dessas transferências em termos de impostos a recuperar” e apurar “se são lícitas ou se correspondem a branqueamento de capitais”.

Por seu turno, o eurodeputado do PSD espera que o Governo “esclareça definitivamente” por que razão decidiu retirar três territórios - Jersey, ilha de Man e Uruguai - da lista de paraísos fiscais e volta a questionar se há algum parecer da Autoridade Tributária sobre a questão. “O Governo não explicou por que retira estes três territórios da lista”, sublinha José Manuel Fernandes.

Nascimento de uma comissão

A comissão de inquérito do Parlamento Europeu foi criada há cerca de um ano, após a divulgação dos Panama Papers, os documentos revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação que puseram a nu esquemas, à escala global, de fraude, evasão fiscal e lavagem de dinheiro através de offshores, utilizados por políticos, celebridades, burlões e traficantes.

Os deputados relatores deverão apresentar em breve uma versão preliminar do relatório. O documento final incluirá as conclusões sobre os inquéritos, audições e missões realizadas – já houve missões a Malta, Luxemburgo, Chipre, Reino Unido e Estados Unidos - e uma segunda parte com recomendações.

Numa conferência de imprensa realizada recentemente para fazer o ponto dos trabalhos da comissão de inquérito, os dois relatores afirmaram que os Panama Papers são apenas a ponta do iceberg e que a legislação europeia existente na altura não era robusta nem apropriada.

Nos últimos meses, a União Europeia tem dado alguns passos para se dotar de instrumentos e legislação reforçada. É o caso da revisão em curso da directiva contra o branqueamento de capitais - para evitar que o sistema financeiro seja utilizado para o financiamento de actividades criminosas e que visa reforçar as regras de transparência para evitar a ocultação de fundos em grande escala – ou da criação de uma Procuradoria Europeia que poderá inquirir e exercer a acção penal relativamente a crimes contra o orçamento da União, como a corrupção e fraude.

Ainda assim, os relatores alertam para o papel dos chamados intermediários - contabilistas, sociedades de advogados, banqueiros, conselheiros financeiros, etc - que concebem esquemas opacos em offshores para os seus clientes – dos cerca de 14 mil intermediários implicados nos Panama Papers, cerca de 2700 estavam localizados na União Europeia, apuraram os membros da comissão de inquérito.

Daí a necessidade de apertar a regulação, os controlos e a cooperação entre unidades de informação financeira, defendem os relatores. Essas poderão ser algumas das recomendações a integrar no relatório final a ser aprovado até ao final do ano pelo plenário do Parlamento Europeu. Vários membros da comissão de inquérito também defendem o reforço de sanções contra os intermediários que elaboram estratégias opacas.

Ana Gomes defende o reforço de medidas contra estas situações. “Não é possível alguém esconder-se atrás do segredo profissional para ajudar a criminalidade organizada”, afirma a eurodeputada socialista. Entretanto, a Comissão Europeia propôs esta quarta-feira novas normas de transparência para os intermediários.

Por seu turno, o social-democrata José Manuel Fernandes considera igualmente necessário que a União Europeia aprove rapidamente uma lista comum de paraísos fiscais, argumentando que “não faz sentido cada Estado-membro ter a sua lista negra”. 

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