Alegada fuga de informação do exame de Português está a ser investigada

Iave vai passar informações ao Ministério Público. Caso se confirme fuga, “qualquer que seja a solução", anulação ou não do exame, "será sempre injusta", dizem pais. Associação de Professores de Português duvida da gravação que está no centro da polémica.

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Hélder de Sousa, presidente do Iave Nuno Ferreira Santos

Uma gravação áudio de uma suposta aluna, que circulou na rede WhatsApp alguns dias antes do exame de Português que se realizou na segunda-feira, levou o Instituto de Avaliação Educativa (Iave) a abrir uma investigação. Nessa gravação é descrito parte do conteúdo que sairia na prova nacional, que foi realizada por 74.000 alunos.

A notícia da investigação a uma alegada fuga de informação foi avançada pelo Expresso nesta quarta-feira e confirmada pelo PÚBLICO junto da assessoria de imprensa do Iave. Que, entretanto, emitiu um comunicado. Informa que "vai hoje remeter para a Inspecção-Geral da Educação e Ciência e para o Ministério Público todas as informações de que dispõe sobre o caso para efeitos de averiguação disciplinar e criminal".

Na gravação, a aluna diz que soube “que é preciso mesmo, mesmo, mesmo” estudar Alberto Caeiro. E treinar “uma composição sobre a importância da memória”.

"Ó malta, falei com uma amiga minha cuja explicadora é presidente do sindicato de professores, uma comuna, e diz que ela precisa mesmo, mesmo, mesmo e só de estudar Alberto Caeiro e contos e poesia do século XX. Ela sabe todos os anos o que sai e este ano inclusive. E pediu para ela treinar também uma composição sobre a importância da memória...” — é a transcrição feita pelo Expresso da gravação. A informação revelou-se certeira.

Num email enviado ao PÚBLICO, o professor que denunciou o caso diz ter tido conhecimento do registo áudio no passado sábado.

O Iave remeteu esclarecimentos sobre eventuais consequências deste caso para os próximos dias. "Nesta fase o processo está a entrar em fase de averiguação e estará em segredo de justiça, nada mais havendo por ora a declarar", indicou.

Para a presidente da Associação de Professores de Português, Edviges Ferreira, esta é uma situação “bastante chocante”, mas que lhe levanta dúvidas quanto à sua veracidade. Esta professora acredita que “tudo irá ser esclarecido” e que não será preciso anular a prova, solução da qual, aliás, discorda.

Investigação célere

“Qualquer que seja a solução será sempre injusta para alguém”, comenta o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascensão. “Se for anulada prejudica os alunos a quem o exame correu bem. Se não for beneficia os alunos que alegadamente tiveram acesso [ao registo] e que acredito que sejam uma minoria”, especifica. “Vai ter de averiguar-se e há que apurar todas as responsabilidades porque, se houve uma fuga, então o responsável por ela não tem lugar no sistema educativo”, acrescenta.

Para Jorge Ascensão, este tipo de situação teria consequências menos gravosas se os exames não contassem para o ingresso no ensino superior. “É altura de pensar de forma séria e célere em mudar o regime de acesso, contando os exames apenas para a conclusão do secundário conforme a Confap tem vindo a propor”, refere.

O presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, lembra, a propósito, que o exame de Português é o que “tem mais alunos inscritos [é obrigatório para todos os estudantes do 12.º ano] e uma das provas mais importantes no acesso à faculdade”.

“Estou a rezar para que tenha sido uma infeliz coincidência, um palpite de alguém que por acaso acertou”, diz, para frisar que “uma prova de exame é algo sagrado na educação”.

“A ideia que temos é que os exames estão fechados a sete chaves. Até mesmo os professores que fazem as perguntas não sabem em que provas elas sairão”, descreve. “O processo de investigação tem de ser muito célere”, alerta, para acrescentar, contudo, que provavelmente nada se saberá ainda ao certo quando os alunos que fizeram o exame conhecerem as notas e se candidatarem ao ensino superior, o que sucederá entre 19 de Julho e 8 de Agosto. “O cenário da anulação da prova tem de ter isto em consideração”, alertou.

Montagem denunciada pelo Iave

No fim-de-semana circulou também nas redes sociais e por email um print screen do site do organismo onde aparecia um suposto link para a prova de Português do 12.º ano. “É uma montagem”, garantiu no domingo o presidente do Iave, Hélder de Sousa.

A imagem mostrava a página de arquivo do Iave referente aos exames de Português, mas já com um link da prova 639, na sua versão adaptada (para alguns alunos com necessidades educativas especiais), relativa a 2017 e respectivos critérios de classificação. Não foi possível confirmar se esse link levava a alguma parte.

“Não houve prova nenhuma disponível. Isso seria impossível. Trata-se de uma montagem, como já aconteceu noutros anos”, fez então saber o presidente do Iave. O print screen divulgado não coincidia, de facto, na totalidade com esta parte do site do Iave, já que dele tinha desaparecido a informação relativa às provas da 1.ª fase de Português de 2016.

O Iave é o organismo responsável pela elaboração e aplicação de exames. A prova 639 é a mais concorrida do ensino secundário, porque é obrigatória para todos os alunos do 12.º ano.

O caso de 2012

Em 2012, o então Ministério da Educação e Ciência também foi obrigado a averiguar se tinha ou não havido fugas de informação sobre o conteúdo do exame de Português.

Na altura estavam em causa mensagens por escrito, que teriam circulado entre alunos de várias escolas, tendo uma delas acertado no excerto que saiu no exame, que nesse ano foi o Canto VI de Os Lusíadas.

A averiguação então feita pela Inspecção-Geral da Educação deu estas fugas como não provadas, uma conclusão que foi divulgada na véspera do dia em que as notas foram afixadas.

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