São 347 os médicos que ficaram sem vaga neste ano para fazer uma especialidade

Concurso tinha 2400 candidatos para 1758 vagas. A última foi ocupada nesta terça-feira. Houve ainda 266 médicos que desistiram.

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O trabalho à peça nas urgêcias é muitas vezes o destino dos médicos que não fazem uma especialidade Rui Gaudêncio

O alerta já tinha sido dado: o número de vagas para fazer a formação numa especialidade era muito inferior ao total de médicos candidatos e neste ano seria batido um recorde de pessoas a ficarem de fora do concurso. Agora a situação confirmou-se. Há 347 médicos que ficaram sem vaga, já que o último lugar foi ocupado nesta terça-feira. A estes juntam-se ainda 266 médicos que desistiram do concurso. A presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), Ana Rita Ramalho, lamenta que “a única surpresa seja a falta de acção” do Ministério da Saúde perante o que sempre disseram que iria acontecer.

Ao PÚBLICO, Ana Rita Ramalho destaca que o número de 347 médicos sem vaga numa especialidade representa um aumento de 63% em relação ao que aconteceu no concurso do ano passado, que deixou 213 clínicos de fora. Em 2015 tinham sido 158. Quanto aos que desistiram, a presidente da ANEM lembra que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pode perdê-los por via da emigração. A alternativa é ficarem a trabalhar como tarefeiros. Caso decidam ficar e candidatar-se de novo em 2018 vão “contribuir para o efeito bola de neve”, já que vão competir para as mesmas vagas. Neste ano foram abertas 1758 vagas para perto de 2400 candidatos.

A estudante sublinha que a “precariedade é muitas vezes a única saída” para quem fica sem uma especialidade, que acaba por ser contratado como tarefeiro. A este propósito, frisa que o Ministério da Saúde “também acabou de fazer cortes no valor à hora que paga aos tarefeiros”. Como se resolve então o problema? Rita Ramalho defende que é preciso “responsabilidade política” e lamenta que apenas tenha assistido a uma “ausência de acção para resolver este problema”.

Redução do numerus clausus?

A ANEM tem defendido a redução do numerus clausus em Medicina – mas isso só viria a ter impacto daqui a alguns anos – e um “verdadeiro planeamento a longo prazo”. No imediato, pedem uma revisão das capacidades formativas de cada hospital e centro de saúde – uma tarefa que cabe à Ordem dos Médicos. A presidente da ANEM explica que “60% das vagas ficam concentradas no litoral, estando por explorar as capacidades formativas nas zonas interiores e que precisam de médicos”. Rita Ramalho repete que esta não é uma questão meramente corporativa e insiste que a formação de qualidade dos médicos implica “continuidade entre as várias fases” e tem impacto directo nos resultados nos doentes.

Também o grupo cívico Médicos Indiferenciados Não, composto por profissionais de saúde e outros cidadãos, em comunicado, considera que os números agora conhecidos são o espelho de “um concurso caduco e de um sistema falhado, cuja especialidade é criar médicos sem especialidade”.

“A necessidade de uma revisão do Regime do Internato Médico e o seu regulamento é agora mais do que óbvia. Esta situação não se pode repetir no próximo concurso. Há que tornar transparente o processo de aferição de idoneidades e capacidades formativas. Há que reforçar os serviços em carência de profissionais. Há que parar, imediatamente, este ciclo destrutivo das carreiras médicas e do SNS”, lê-se num comunicado dos Médicos Indiferenciados Não, que avisam que vão transmitir estas preocupações aos deputados. Nesta terça-feira têm já uma reunião com o PEV e na sexta-feira será a vez do BE.

O Bloco de Esquerda, no início de Junho, pediu ao Governo que faça uma auditoria independente às capacidades formativas dos jovens médicos nos hospitais e centros de saúde. O pedido foi feito um ano depois de o ministro da Saúde ter anunciado no Parlamento a realização de uma “avaliação independente e externa” ao processo utilizado pela Ordem dos Médicos para identificar os serviços com idoneidade para formação especializada de novos médicos. Na altura o ministério disse que a auditoria “ainda está em discussão com a Ordem dos Médicos”.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Saúde sobre o destino destes médicos que ficaram sem vaga e sobre o que vai acontecer aos que ficaram de fora dos últimos concursos e que tinham sido temporariamente autorizados a continuar a trabalhar no SNS, mas ainda não obteve resposta.

Já o bastonário da Ordem dos Médicos, ao PÚBLICO, admite que a situação dos médicos que ficam sem acesso à especialidade é “de todo indesejável”. No entanto, Miguel Guimarães lembra que este problema está longe de ser apenas nacional. Os números da ordem indicam que 400 dos 2400 candidatos fizeram a sua formação fora de Portugal e o bastonário avisa que este número poderá aumentar, uma vez que em países como Espanha o número de candidatos é mais do dobro do as vagas existentes.

Miguel Guimarães lembra que a Ordem dos Médicos não define sozinha as capacidades formativas e que essa decisão tem como base os dados fornecidos pelas instituições públicas. Ainda assim, insiste que “as capacidades formativas estão no limite e aumentaram exponencialmente nos últimos anos”. O bastonário considera urgente reduzir as vagas para medicina, para minimizar os problemas na formação especializada e, sobretudo, “assegurar a qualidade da formação” – lembrando que já temos um rácio de um interno para cada dois especialistas.

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