Ataque islamofóbico em Londres faz temer ciclo de violência entre extremistas

"Quero matarmuçulmanos", gritou o homem que lançou carrinha contra grupo que saía de mesquita. Autoridades prometem reforço da segurança perante o aumento dos incidentes islamofóbicos.

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Dez pessoas ficaram feridas no ataque em Finsbury Park, a quarta acção terrorista no país em três meses EPA/FACUNDO ARRIZABALAGA

O ataque em Finsbury Park, no Norte de Londres, foi o quarto incidente terrorista em apenas três meses no Reino Unido, desta vez dirigido contra muçulmanos que acabavam de celebrar o fim de mais um dia do mês sagrado do Ramadão. Um acto “tão doentio como todos os que aconteceram antes”, sublinhou a primeira-ministra britânica, Theresa May, na mesma altura em que líderes islâmicos pediam um reforço urgente da segurança junto às mesquitas perante o aumento de incidentes e ameaças contra a comunidade nas últimas semanas.

Este ataque “recorda-nos que o terrorismo, o extremismo e o ódio assumem várias formas; a nossa determinação contra eles deve ser a mesma, sejam quem forem os responsáveis”, disse May, no final de mais uma reunião do comité de resposta a situações de emergência – há muito que o país não era abalado por uma tão rápida sequência de acontecimentos violentos, entre ataques e o mortífero incêndio de há uma semana na Grenfell Tower, no oeste de Londres.

Para a primeira-ministra, como para todos os responsáveis que condenaram o atropelamento intencional em Finsbury Park, os ataques dos últimos meses têm o mesmos objectivo – dividir o país, fomentando o ódio e a violência entre as várias comunidades. “Terrorismo é terrorismo, quer nasça do extremismo islâmico ou do ódio islamofóbico”, insistiu o mayor de Londres, Sadiq Khan, quando alguma imprensa hesitava em tratar assim o ataque.

Passava pouco da meia-noite quando um grupo de fiéis, que tinham quebrado o jejum e participado nas orações da noite na Muslim Welfare House, a poucos metros da estação de metro de Finsbury Park, foram atropelados. Várias testemunhas contam que um grupo de homens estaria a assistir um idoso que se sentira mal quando uma carrinha branca avançou na direcção deles. Dez pessoas ficaram feridas, duas das quais com gravidade, e o homem que estava a ser assistido acabou por morrer, mas a polícia não sabia ainda se teria sido atropelado ou não.

O condutor saiu do veículo, mas foi manietado por vários dos presentes. “Ele dizia, eu quero matar muçulmanos, quero matar muçulmanos”, contou à BBC Abdul Rahman, um dos que o imobilizou no chão, até à chegada da polícia. Outros garantem que, aparentemente impávido, afirmava “vocês merecem” e “matem-me, já fiz a minha parte”. Imagens captadas por presentes mostram que no meio da confusão, houve quem o tentasse agredir, mas mostram também Mohammed Mahmoud, o imã da pequena mesquita, a gritar “ninguém lhe toca, ninguém, ninguém”, assegurando que o atacante era entregue são e salvo à polícia. Neil Basu, comissário da Scotland Yard, elogiou a coragem dos presentes e também “a sua contenção perante as circunstâncias”.

A meio da tarde o homem foi identificado como Darren Osborne, um britânico de 47 anos residente em Cardiff, no País de Gales, e que será pai de quatro crianças. Segundo o secretário de Estado do Interior, Ben Wallace, o homem “não era conhecido das autoridades em relação [a suspeitas de] extremismo ou radicalismo de extrema-direita” e há a convicção de que terá agido sozinho – a carrinha que usou foi alugada a uma empresa no Sul do País de Gales. Inicialmente detido por tentativa de homicídio foi indiciado horas mais tarde pelos crimes de "concretização, preparação e instigação de actos terroristas, incluindo homicídio".

Ciclo vicioso de violência

Osborne usou exactamente o mesmo método para matar que os autores dos ataques na Westminster Bridge, a 22 de Março, e na London Bridge, no passado dia 4. Uma intenção que reforça a ideia de vingança e faz temer novas acções de retaliação.

“Podemos estar a entrar num ciclo vicioso de violência, onde os extremos se alimentam um ao outro, onde os ataques terroristas propiciam outros ataques”, avisou o grupo de acção anti-fascista Hope, lembrando que tanto a extrema-direita como os radicais muçulmanos “partilham a convicção de que muçulmanos e não muçulmanos não podem coexistir pacificamente e ambos usam a existência dos outros para justificar as suas visões distorcidas do mundo”. Uma opinião partilhada por Frank Gardner, especialista em segurança da BBC, avisando que ataques como o de Finsbury Park são uma prenda para os recrutadores do Daesh. “Os seguidores online do grupo foram rápidos a usar este ataque como uma prova do que consideram ser a hostilidade contra os muçulmanos que vivem no Ocidente”.

Qari Assim, imã da mesquita de Leeds, disse ao Guardian que o já elevado número de incidentes contra a comunidade – incluindo insultos nas ruas, agressões e acções contra locais de culto – quintuplicou desde o ataque na London Bridge. “Esta é a manifestação mais violenta até à data” da crescente islamofobia no país, sublinhou o Conselho de Muçulmanos do Reino Unido, juntando-se a outras organizações num apelo para que, pelo menos até ao final do Ramadão, a segurança seja reforçada nas mesquitas e outros locais de culto – um pedido a que Cressida Dick, comissária-chefe da Scotland Yard, deu resposta, assegurando que o aumento do patrulhamento será visível “nos próximos dias e noites”.

May, que há duas semanas anunciara uma revisão das leis antiterroristas para confrontar “a ameaça extremista, em especial o extremismo islâmico”, garante agora que a iniciativa não deixará ninguém de fora, incluindo os grupos que pregam e incentivam a islamofobia. Uma inclusão que já vem tarde, dizem alguns observadores – a BBC adianta que 16% de todas as detenções relacionadas com terrorismo foram classificadas como “extremismo doméstico” e David Anderson, antigo responsável pelo programa governamental de prevenção da radicalização (Prevent) explicou ao Guardian que uma em cada quatro pessoas denunciadas às autoridades eram radicais de direita. “Este extremismo pode ser tão mortífero como o seu equivalente islâmico”, avisou ainda em Fevereiro.

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