Castanheira de Pêra: "Isto não foi um incêndio, foi um furacão de fogo"

Histórias de quem insistiu em ficar em casa durante o incêndio e de quem tentava fugir mas decidiu voltar para trás, para ajudar os vizinhos.

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Adriano Miranda

Paula Alves insistiu em ficar na sua habitação numa pequena aldeia de Castanheira de Pêra, quando as chamas avançaram, e acredita que o que viu não foi um incêndio, mas "um furacão de fogo". A fuga da habitação nunca foi uma hipótese para Paula e para o seu marido. "A morrer, morríamos ao pé do que é nosso", vinca a habitante de Sarzedas de São Pedro, em Castanheira de Pêra, um dos concelhos do distrito de Leiria afectados pelo incêndio que começou no sábado em Pedrógão Grande.

Fora de casa e com uma mangueira que deitava pouca água — foi assim que Paula enfrentou as chamas que galoparam da serra do Vermelho até à aldeia onde vive há 17 anos num espaço de minutos. "Não tínhamos ninguém. Era eu e o meu marido, o meu vizinho e o pai e a mãe dele. Só nós e Deus", conta. As fagulhas eram tantas que se teve de encostar à sua casa, e o vento era tão forte que pensava que o telhado "ia pelo ar". "Apenas pensei: 'Meu Deus, ajuda-nos, porque não temos mais ninguém'", conta à Agência Lusa Paula Alves, que garante que tomou a decisão certa.

Os que fugiram, "se tivessem ficado nas suas casas, estavam vivos e as habitações intactas", sublinha, recordando que, quando o fumo já não deixava ver mais do que a palma da sua mão, viu um carro a passar e a bater contra um castanheiro. "Ficaram todos carbonizados. O fumo era tanto que nem viam por onde iam", refere. O vizinho Flávio Pires confirma: "Vi-os a passar e o senhor ia todo atrapalhado, saiu a direito na curva".

No sábado, assim que viu o incêndio, procurou logo tentar tirar a sua mulher e filho pequeno para a vila de Castanheira de Pêra, onde moram os seus pais. A meio caminho, fez sinal para seguirem e decidiu voltar para trás, "porque não ia deixar" os vizinhos sozinhos. Já em casa, deparou-se com os seus pais que vinham para prestar auxílio. Como já era tarde para ir para trás, o seu pai pensou: "Já que não conseguimos sair, vou aqui ficar. A morrer, morro com o meu filho". Seguiram-se momentos "muito complicados", realça Flávio.

Uma labareda enorme entrou directamente para o outro lado da estrada, o calor não permitia olhar para a chama e o vento fazia voar "bocados de carvão incandescentes, paus a arder e folhas". "Foi tudo muito rápido", diz à Lusa Flávio, que só duas horas depois de o incêndio passar é que conseguiu encontrar a sua mulher e o seu filho, sãos e salvos, em Castanheira.

Quando viu a imensa bola de fogo a avançar em direcção à sua casa, apenas pensou que nunca mais ia ver o filho. "São sentimentos complicados de gerir. É uma região em luto. E se Castanheira já está quase morta, não sei se isto não foi mesmo o fim do concelho. Além das vítimas mortais, há as pessoas que não têm nada, que ficaram sem nada. As pessoas vão comer o quê agora?", pergunta.

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