Um Inverno violento não tirou a confiança para o Verão

O número de incêndios no Inverno foi tal que o secretário de Estado chegou a afirmar que “se fosse um pouco consciente fugia”. Mas a confiança no plano de combate foi sempre muito elevada.

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O secretário de Estado estabeleceu como objectivo para este ano “zero mortes” na época de fogos Daniel Rocha (arquivo)

O ano tem sido farto em fogos florestais. No Inverno foi mesmo anormal. A 21 de Abril, o PÚBLICO noticiava que o número de incêndios rurais e a área ardida registados no primeiro trimestre deste ano tinha aumentado, respectivamente, 551% e 1953% relativamente ao mesmo período do ano passado. Um início de ano tão anormal que levou Jorge Gomes, secretário de Estado da Administração Interna, a ter o seguinte desabafo no dia 15 de Maio: “2017... 2017... eu, se fosse um pouco consciente, fugia. Foi floresta que ardeu no Inverno com chuva que não apareceu, mas é o tempo que temos.”

No primeiro trimestre do ano passado verificaram-se 332 incêndios rurais. Este ano, em igual período, foram 2160. A área ardida passou de 316 hectares para 6487 — ou seja, 20 vezes mais. Ainda assim, Jorge Gomes confiava que, quando chegasse o tempo quente, as coisas correriam melhor. O secretário de Estado teve mesmo outro desabafo sobre o número anormal de incêndios que revelava a sua confiança em dias melhores: “É um ano que está a ser atípico. Mas também o que ardeu já não vai arder.”

Também a ministra Constança Urbano de Sousa se manifestava confiante de que tudo iria correr bem no Verão, embora também ela se manifestasse surpreendida com o número anormal de ignições no primeiro trimestre. Falava mesmo num “plano robusto” de combate a incêndios para este ano e numa “boa capacidade de resposta operacional”.

Em matéria de combate a fogos florestais, foi quase sempre o secretário Jorge Gomes a dar a cara. Andou pelo país a apresentar o plano para 2017 e revelava muitas novidades. Falava em equipas preposicionadas no terreno em vários distritos e num helicóptero a fazer a coordenação dessas equipas. Ou seja, “mais vigilância”. Garantia ainda que o dispositivo estava preparado, salientando que este ano foram formados mais 2600 operacionais.

O plano previa outras “alterações muito importantes”, como a integração das Forças Armadas no Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF) e dos presidentes de junta, que receberam formação específica. Os bombeiros, por sua vez, teriam autonomia alimentar. Ou seja, iriam para o terreno com uma "ração de combate para 24 horas".

O objectivo principal, segundo Jorge Gomes, era um: “Mortes zero.” “A nossa grande preocupação é conseguir o que conseguimos o ano passado: mortes zero. É um dos desígnios. Já morreu gente a mais nos incêndios. Os nossos operacionais têm de chegar todos a casa. É uma vontade do Governo, do comando nacional e de todos os autarcas.”

O secretário de Estado esperava mesmo que todos conseguissem “um ano com muito sucesso.” “Que nunca esqueçamos isto: um incêndio só é grande porque não o apagamos quando nasceu. Daí a importância da primeira intervenção.”

Apesar das muitas novidades, bombeiros e Governo andaram quase sempre de costas voltadas. E não foi só devido à falta de meios que muitas corporações reclamavam. A principal revolta teve precisamente a ver com declarações de Jorge Gomes, quando este afirmou que a comparticipação aos bombeiros que integram o DECIF iria manter-se nos 45 euros por dia, sublinhando que um bombeiro recebe, ao final do mês, 1350 euros, montante que totaliza uma despesa para o Estado de 22 milhões de euros por ano. Estas afirmações geraram revolta em algumas corporações de bombeiros, que exigiram um pedido de desculpas, uma vez que o secretário de Estado omitiu que os bombeiros não podem ser escalados 24 horas consecutivas durante 30 dias seguidos.

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