Desabafo por Jorge Martins

Jorge Martins persegue as suas obsessões temáticas e visuais com uma coerência, uma autenticidade e um rigor considerados caducos pelo cinismo dominante.

Uma espessa onda de silêncio e indiferença, para não dizer desprezo, por parte da generalidade dos media, tem envolvido a exposição de Jorge Martins, um dos mais marcantes pintores portugueses dos últimos cinquenta anos, patente na Fundação Vieira da Silva – Arpad Szenes em Lisboa desde 16 de Maio passado. As minhas tentativas de chamar a atenção, através dos meios ao meu alcance, para tão flagrante absurdo, não surtiram qualquer efeito e foi por isso que decidi dedicar o espaço desta crónica a um tema inabitual para quem me lê. Pelo menos, não será por minha causa que o leitor ficará sem poder acompanhar, se assim o entender, a luminosa digressão de Jorge Martins a partir das “Interferências” (é o título da exposição) com a obra de Vieira e Arpad, pintores com quem Martins conviveu longamente durante a sua permanência em Paris nos anos 60. Aviso importante: a exposição encerra a 9 de Julho próximo.

Não sou crítico de arte e sou amigo de Jorge Martins há muito tempo. Mas nem uma coisa nem outra me impedem de ter a minha opinião sobre a sua obra e, por outro lado, sobre um ambiente artístico – e crítico – onde prevalece a opacidade, a promiscuidade ou a influência dos lobbies (o que, infelizmente, está bem longe de ser uma originalidade portuguesa). Ora, ao contrário de outros colegas seus, o tímido Martins é destituído de qualquer talento de auto-promoção ou relacionamento privilegiado com quem manda no circuito mediático (o que é também o caso de uma das promotoras principais desta exposição, Maria da Graça Carmona e Costa, a mais generosa mecenas da arte contemporânea portuguesa).

Num mundo onde as chamadas “estratégias” de afirmação artística se alimentam cada vez mais de bizarras e vazias “trouvailles” conceptuais e instalações “pour épater le bourgeois” – não é por acaso que as estrelas internacionais mais em voga são figurões como Damien Hirst ou Jeff Koons – pode dizer-se que Jorge Martins está fora de moda e paga o preço disso. Ele continua a acreditar na pintura e no desenho, persegue as suas obsessões temáticas e visuais com uma coerência, uma autenticidade e um rigor considerados caducos pelo cinismo dominante, o que não quer dizer que a sua obra esteja acima de toda a discussão e discordância. Aliás, o que aqui está em causa não é a liberdade das opiniões e da crítica, é a sua ausência pura e simples – e a recusa em assumi-lo, como acontece nos media ditos de referência.

De um texto que escrevi para o catálogo da exposição – e que tentei divulgar sem sucesso através de suportes com maior audiência – lembro uma passagem sobre a minha “cumplicidade insular” com Jorge Martins: “…entre as obras que mais me tocam estão certamente as que nos fazem viajar entre as sugestões pictóricas de ilhas, paisagens submarinas ou espaços cósmicos, mesmo quando estes parecem reduzidos a signos elementares, formas geométricas ou cores em vibração mútua. Jorge Martins propõe-nos uma geografia, um planisfério, um território sem fronteiras que desafia a nossa imaginação numa viagem de descoberta da luz primordial e do enigma do mundo. Enigma que se exprime numa das suas obras mais recentes e intrigantes onde a volatilidade da matéria se torna quase insondável através de uma espiral de fumo”.

Se quiser partilhar coisas como estas, caro leitor, então “interfira” com elas e vá até à Fundação Vieira da Silva – Árpád Szenes, no Jardim das Amoreiras, até 9 de Julho. Boa viagem!

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