De Alfama e por Alfama, as bifanas da Suzana

No coração do bairro que amam, duas irmãs preparam bifanas que estão a fazer história nas Festas de Lisboa.

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Suzana voltou este ano a Alfama para vender as suas bifanas MARGARIDA BASTO
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Em Lisboa, é possível medir o tempo pelos alimentos à venda nas ruas. As castanhas dão lugar às cerejas e quando estas abrem espaço para as sardinhas é bem provável que no Largo de São Miguel, em Alfama, estejam Suzana e suas bifanas.

É época dos santos e parece que tudo à sua volta está perto de se incendiar, mas Suzana não se assusta: primeiro pega na carne, separa cada um dos bifes, vê a qualidade do corte e, caso esteja muito gorduroso, tem o cuidado de equilibrar a gordura. Depois, tempera tudo com muito carinho e trata de abrir os bifinhos ao longo da cozedura, para garantir que a carne fica macia e saborosa, como se quer.

O resultado de tanto cuidado não poderia ser outro: logo na primeira dentada, é possível sentir a carne tenrinha que se desmancha na boca. O molho, bem temperado com alho, vem a seguir e é logo embrulhado pelo pão macio, numa combinação que aquece os corações e estômagos de quem chega ao balcão da Suzana já faminto de tanto saltar e beber nos bailaricos.

A brincadeira começou há cinco anos. Como mandava a tradição da família que há gerações vive em Alfama, Suzana e a irmã Romina assumiram a varandinha da tia Anita e começaram a vender bifanas. Dois rapazes, “muito respeitosos” asseguram as duas, passaram o mês de Junho inteirinho ao pé do balcão a comer. “E eles comiam mesmo. Três, quatro bifanas por noite e depois iam para a vida deles, mas voltavam sempre”, lembra Suzana.

No fim das festas daquele ano, os clientes fiéis acharam que a bifana era tão boa, mas tão boa, que merecia alguma divulgação mais empenhada. Assim, sem que as irmãs soubessem, criaram uma página no Facebook: estava instituída a “Bifana da Suzana”. No ano seguinte, as festas já começaram com a tia Anita a gritar “olha a bifana da Suzana” e o que era apenas uma brincadeira tornou-se um acontecimento ansiosamente esperado, com direito a contagem decrescente nas redes sociais e não só.

Antes, depois e às vezes durante a época das festas, Suzana trabalha na casa de uma família e Romina dedica-se a tratar do filho pequeno. A vida é complicada e nem sempre a calma da cozinha encaixa no dia-a-dia. Nos últimos dois anos, os afazeres eram tantos que as irmãs não puderam ir aos festejos. No Facebook não faltaram queixas e este ano elas voltaram em força: no último sábado, eram três horas da manhã e as bifanas ainda estavam a sair. Ao todo, foram mais de 15 quilos de carne vendidos, assegura Suzana, com um sorriso no rosto.

A paixão pela cozinha começou há alguns anos, quando, “nos dias mais azedos”, Suzana desatava a cozinhar sopas, bolos, mousses, um prato atrás do outro, numa espécie de terapia. Suzana trabalhou mesmo em restaurantes e, talvez por ver a comida como uma grande fonte de bem-estar e felicidade, sempre estranhou a pressa e o stress das pessoas durante as refeições. A isso, Suzana responde ainda hoje com bom humor e tranquilidade: “Quanto mais mal encarada e antipática a pessoa é, mais eu gosto. Para começar ela tem que parar, olhar para mim, dizer boa tarde e respirar fundo, porque vai comer! O prato não lhe fez mal!”, brinca.

Suzana é uma apaixonada pela vida. “A minha irmã levanta o moral de toda a gente, mesmo que esteja tudo a desabar, ela consegue”, diz Romina. Do alto da Rua da Galé, antes de virar nas Escadinhas de São Miguel, é possível espreitar a alegria de Suzana a virar as suas bifanas. Uma frigideira pequena, aquela gente toda à volta e ela ali tão atenta ao que faz. Suzana é uma apaixonada pela vida, mas sabe bem que a realidade é uma receita de sabores delicados. “A vida é toda feita de detalhes e é isso que lhe dá importância. Eu digo às pessoas: estou a fazer bifanas, mas é com carinho”. Um carinho que vem do amor à cozinha, claro, mas também da paixão pelo bairro.

Nascidas e praticamente criadas em Alfama, Suzana e Romina dizem que em Junho o sangue corre nas veias de uma forma diferente. A possibilidade de estar ali a gritar, festejar e a fazer aquilo que amam sem pudores ou restrições encanta as irmãs, que até começaram a sonhar em abrir um negócio próprio, mas não escondem a paixão (talvez até predilecção) que sentem pelas festas. “Uma vez do bairro, sempre do bairro. Ele precisa de nós e nós precisamos dele, nem que seja para esta terapia uma vez por ano”, diz Suzana. A vontade de preservar os costumes e tradições também é algo citado pelas duas irmãs como motivação para estar lá o mês todo, apesar do cansaço.

Mas o tempo em Lisboa corre e rapidamente as sardinhas darão lugar às castanhas. Agora é tempo de Suzana conciliar a venda das bifanas com o seu trabalho fixo. Nos dias mais agitados, é possível que nem consiga fechar os olhos antes de ir para a casa de família onde trata de duas crianças pequenas. Mas isso não a abala: “Olha, toda a gente vai à terra de férias, não é? Pois eu também vou à terra, o mês todo”.

Texto editado por Hugo Daniel Sousa

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