A “Uber” dos manuais cresceu, atraiu capital de risco e 11 municípios

Num ano, a Book in Loop, uma plataforma digital de compra e venda de manuais escolares usados, passou de três para 24 trabalhadores, juntou-se ao Continente e à Vasp e recebeu capital do Fundo Bem Comum.

Foto
No ano passado, a Book in Loop teve 19 mil famílias inscritas e 2000 compradores. Este ano quer chegar aos dez mil compradores Miguel Manso

Sara Birne ainda está no portão da escola e já concluiu: “Não vão ser os pais a reciclar os manuais, vão ser os próprios miúdos.” O raciocínio da funcionária da Junta de Freguesia da Estrela, em Lisboa, assenta em dois dados: conhece as escolas do “seu” agrupamento e viu as caras dos alunos durante a sessão de esclarecimento, da qual todos acabaram de sair, sobre como vai funcionar a venda e compra de livros escolares usados. “Eles perceberam que, se vierem entregar os manuais, podem ganhar dinheiro", conclui.

Dentro da escola, o grupo de adolescentes que participou na sessão do Spin Estrela ficou a fazer contas. Em cinco amigos, só um reciclou livros no ano passado. Estão no 8.º ano, longe de serem abrangidos pela nova política do Governo de António Costa de reutilização dos manuais, decidida — literalmente — do outro lado da rua. É um tema novo para a maioria. “Só as raparigas é que tratam bem os livros...”, diz Vasco Abrantes, de 14 anos, a antecipar um problema. "E há muitos professores que mandam sublinhar", dizem os colegas em coro. "Para marcar as partes importantes."

A Junta de Freguesia da Estrela e mais 11 autarquias — de Famalicão a Mação, passando por capitais de distrito como Santarém, Guarda e Castelo-Branco — aderiram ao novo projecto de reutilização de manuais escolares criado pela Book in Loop, uma plataforma tecnológica nascida no ano passado que em 12 meses cresceu de três para 24 trabalhadores.

Ricardo Morgado, 28 anos, é um dos novos funcionários. Coordenador dos Spin, tem “batido” o país a fazer acções de formação como esta a que professores, pais e alunos assistiram na Escola Josefa de Óbidos, na Estrela.

Os 12 Spin ("spin" significa "girar" e vem associado ao slogan “manuais que passam de ano”) incluem ainda os municípios da Guarda, Figueira da Foz, Gouveia, Sertã, Pinhel, Fundão e Vagos. Este novo projecto envolve 70 escolas (a maioria públicas) e 50 mil alunos. Nas escolas da Estrela e destas 11 autarquias está montado o esquema para a reutilização de manuais a partir do 5.º ano: os pais vão à plataforma do Spin da sua região (por exemplo www.spinserta.pt), registam o nome do aluno, a escola e o ano de escolaridade e surge a lista dos livros adoptados. Num clique, fazem a reserva e vêem logo a seguir qual é o ponto mais próximo onde poderão levantar os livros.

"Há pais que não querem ter trabalho e vão à Wook, quando perceberem que é tudo igual, mas 80% mais barato...", diz Fátima Fragoso, da associação de pais da Josefa de Óbidos, ela própria uma reutilizadora praticante. "Nunca comprei um manual para a minha filha, reciclo sempre. Mas é preciso querer muito e ter tempo."

Os Spin têm a Vasp como parceira e por isso usam a rede de distribuição nacional de jornais e revistas. "Isto é: há 600 quiosques espalhados por todo o país onde podem levantar-se os livros", diz João Bernardo Parreira, 19 anos, co-fundador e CEO da Book in Loop. Com um aliciante que vai para além da ética ambiental: os livros usados são 60% mais baratos do que os manuais novos.

Esta é a parte da compra. Para vender os livros usados, basta deixá-los num dos 100 pontos de recolha de livros, distribuídos nas escolas e bibliotecas que aderiram. O caixote de recepção da Josefa de Óbidos, onde há 1200 alunos do 5.º ao 12.º, foi montado na semana passada no átrio principal. “A única coisa que precisam de fazer é ir ao site do Spin Estrela, imprimir a guia, preencher e juntar aos livros que querem vender. Tudo o resto nós tratamos”, explica Parreira ao grupo. Os livros serão recolhidos e avaliados de acordo com critérios certificados em 2015 pela Universidade de Aveiro. Os que forem considerados como estando em condições de serem reutilizados, serão postos à venda na plataforma e os seus proprietários receberão 20% do valor original. "Quem vender e comprar na plataforma, pode poupar 80%."

Cada município desenvolveu a parceria à sua maneira, conta Manuel Tovar, 23 anos, o CFO da empresa. "Na Figueira da Foz, a câmara pôs anúncios do projecto Spin nos mupis e em Gouveia os funcionários municipais foram para as escolas ajudar a registar quem não tem computador ou não sabia como fazer."

No ano passado, o ano de estreia desta start-up tecnológica, a Book in Loop teve 19 mil famílias inscritas e acabou por ter 2000 compradores, sendo que alguns clientes representam mais do que uma criança. "Este ano, esperamos crescer para um universo de dez mil compradores", diz Parreira, o jovem empreendedor que está agora no segundo ano de Direito, na Universidade de Coimbra, e ainda vive em casa dos pais. "Conseguimos poupar 300 mil euros às famílias que compraram manuais usados na nossa plataforma. Sentimos que o modelo estava provado e que precisávamos de crescer. Por isso fomos à procura de investidores", conta. Encontraram a resposta num fundo de capital de risco chamado Fundo Bem Comum, que tem capitais da Caixa Capital, Santander Totta, Montepio Geral, Novo Banco e Grupo José de Mello, "vocacionado para projectos de elevado potencial de crescimento e de valorização", como se lê no site oficial, e cuja gestão é feita pela Associação Cristã de Empresários e Gestores, em parceria com a sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados e a consultora KPMG.

O fundo deu-lhes margem para aumentar a ambição. Nasceram os 12 Spin e, para o resto do país onde a Book in Loop não se associou a entidades públicas, há um esquema de compra e venda de manuais usados mais estruturado. O segredo, de novo, são as parcerias. Este ano, a Book in Loop associou-se à Sonae (empresa proprietária do PÚBLICO), o que lhe permite aumentar o número de pontos de recolha e entrega. Depois de preencher a guia no site da Book in Loop, pode-se deixar os livros usados em qualquer balcão de atendimento ao cliente dos supermercados do Continente e das lojas Note!, também do grupo. Para comprar manuais em segunda mão, usa-se a mesma rede.

"Deixámos de ser uma experiência. O facto de integrarmos a nossa solução de reutilização de manuais no Continente, um gigante com clientes habituados a comprar manuais nas suas lojas, faz-nos acreditar que nos estamos a aproximar de uma solução mainstream", diz Parreira.

Este ano, a Book in Loop também desenvolveu uma app que permitirá ler o ISBN dos manuais usados e, a partir daí, fazer todo o processo de venda e compra na plataforma só com um telemóvel.

A campanha de recolha de manuais usados dos 12 Spin já começou e termina a 31 de Julho. Para o resto do país, começa esta quinta-feira (15 de Junho) e termina a 6 de Agosto.

Sugerir correcção
Comentar