Para onde vai o Reino Unido?

Uma das consequências mais importantes das legislativas britânicas foi o reforço do bipartidarismo. É algo assinalável numa Europa onde a fragmentação política tem sido a regra.

1. Na política, tal como na vida, há vitórias com sabor a derrota e derrotas com sabor a vitória. Na sequela das eleições parlamentares britânicas do passado 8/6/2017, Theresa May e Jeremy Corbyn tiveram a sua dose de sentimentos contraditórios. Num outro contexto político, os 42,4% de votos de Theresa May — uma subida, em percentagem, de 5,5% face aos votos anteriormente obtidos por David Cameron em 2015 —, seria suficiente para uma confortável maioria parlamentar. Em percentagem de votos esteve muito próxima das vitórias esmagadoras de Margaret Thatcher nos anos 1980. Tal como Jeremy Corbyn esteve de Tony Blair, que, por exemplo, em 2002 conseguiu uma larga maioria de deputados com 40,7% dos votos. Mas o sistema uninominal maioritário britânico é caprichoso. Torna os resultados difíceis de antecipar. O Partido Conservador perdeu 12 lugares no parlamento. Pior, ficou abaixo dos 326 deputados necessários para a maioria absoluta. Ao mesmo tempo, Jeremy Corbyn conseguiu uma notável vitória pessoal e política, mas que não lhe permite chegar ao poder. O Partido aumentou 9,5 % na votação nacional, atingindo os 40%, e aumentou também o número de deputados em 32, passando a ter 261 lugares no parlamento.

2. Uma das consequências mais importantes das legislativas britânicas foi o reforço do bipartidarismo: conservadores e trabalhistas captaram, em conjunto, 82,4% dos votos. É algo assinalável numa Europa onde a fragmentação política tem sido a regra. Parecia, até há pouco tempo atrás, uma tendência irreversível. Mas os partidos do establishment conseguiram largamente obter as preferências dos eleitores. A reafirmação do bipartidarismo levou ao colapso eleitoral do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), de Nigel Farage — provisoriamente liderado por Peter Whittle —, que passou de 12,6 % para 1,8%. Não foram só os conservadores a beneficiar do colapso do UKIP, mas também, tudo indica, os trabalhistas a captar esse eleitorado. Quanto aos Liberais Democratas de Tim Farron, os mais europeístas dos britânicos, embora aumentassem 3 lugares no parlamento, tendo agora 12, perderam 0,5 na votação nacional. Apenas obtiveram 7,4% dos sufrágios. Mas há outro grande derrotado: o Partido Nacional Escocês (SNP) de Nicola Sturgeon. Perdeu 21 deputados, passando de 56 para 35 e descendo de 4,7% para 3% na votação. Símbolo maior desta derrota, o seu antigo líder, Alex Salmond, nem sequer foi eleito, sendo batido pelo candidato conservador.

3. As eleições trouxeram surpresas. A maioria das sondagens falhou ao não prever a perda da maioria parlamentar pelos conservadores. Pelo contrário, nos dias anteriores às eleições, à excepção de uma sondagem do YouGov, previam um reforço significativo da sua maioria parlamentar. Theresa May, que esperava consolidar a sua liderança, antecipando eleições legislativas, acabou por fragilizá-la, ou até por comprometê-la. Nem sempre a sorte protege os audazes. Vai ter de enfrentar contestação dentro do seu próprio partido. Jeremy Corbyn, que parecia um líder à espera do golpe final para ser deposto, obteve um resultado eleitoral importante, que anula os críticos internos. Nicola Sturgeon, que viu no Brexit uma oportunidade para um segundo referendo sobre a independência da Escócia — e de consolidar o seu poder —, perdeu margem de manobra política. Muitos escoceses acabaram por voltar aos partidos nacionais britânicos, sejam os trabalhistas, os conservadores, ou os liberais democratas. Quando parecia ser a questão da Escócia que se ia cruzar com o Brexit — e dar um trunfo aos nacionalistas escoceses —, foi a questão da Irlanda do Norte que ressurgiu. O trunfo ficou nas mãos do Partido Unionista Democrático (DUP) da Irlanda do Norte e da sua líder, Arlene Foster. Os 10 deputados eleitos passaram de irrelevantes na política nacional, para um aliado fundamental. Com actual composição parlamentar, tornaram-se cruciais para formar um governo conservador apoiado numa maioria.

4. Nesta altura as incógnitas são muitas, quer ao nível da política interna britânica, quer da política externa, em particular das negociações de saída da União Europeia. Apenas se podem fazer conjecturas. Apesar do mau resultado, Theresa May poderá ter a seu favor o facto de Partido Conservador estar largamente empenhado na saída da União Europeia. Não quer dar possibilidade de reversão do Brexit, por exemplo através da convocação de um segundo referendo. Menos ainda ceder o poder a Jeremy Corbyn e ao Partido Trabalhista. Veremos se tudo isso será uma barreira suficiente para travar a contestação interna à sua liderança e mantê-la no poder. Quanto a Jeremy Corbyn, apesar dos seus apelos à demissão de Theresa May e da disponibilidade mostrada para liderar um governo, não tem uma alternativa de poder, pelo menos no imediato. Teria de se coligar com os liberais democratas e os nacionalistas escoceses do SNP. Mesmo assim não chegaria para uma maioria parlamentar. Nem mesmo se conseguisse o apoio dos republicanos irlandeses do Sinn Féin, aumentaram para 7 o seu número de lugares no parlamento. Importa lembrar que o Sinn Féin de Gerry Adams tem tido uma política de boicote ao parlamento britânico, não ocupando os seus lugares em Westminster.

5. Que impacto este quadro político complexo vai ter no processo de negociações de saída da União Europeia é algo que só perceberemos bem ao longo dos próximos meses. Para já a consequência que parece mais antecipável é a ideia de um hard Brexit — ou seja, de uma quebra profunda da relação com a União Europeia, no limite uma saída sem acordo —, perder força política. Theresa May, ou outro governo conservador, mesmo que não liderado por esta, ficaram numa situação politicamente fragilizada para seguir essa linha. Para além disso, se avançar a solução de governativa apoiada pelos unionistas da Irlanda do Norte, terão de ser feitas concessões. Uma questão crucial para os unionistas é afastar qualquer estatuto especial da Irlanda do Norte, tal como reivindica o Sinn Féin. Isso aproximaria a Irlanda do Norte da República da Irlanda, ou seja, da União Europeia, mas afrouxaria a ligação com o resto do Reino Unido. Mas estes também não querem um hard Brexit com retornos de controlos fronteiriços que os isolem. Para além dos equilíbrios e concessões internas, também não é claro o impacto que este novo ambiente político irá ter sobre a estratégia negocial europeia: irá reforçar uma abordagem punitiva, ou irá ser eventualmente mais flexível? Por último, uma Incógnita crucial paira sobre a determinação de saída da população britânica: vai manter-se acima dos 50% como tem acontecido desde o referendo de 23/6/16?

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