A aposta de May fez ricochete. Quanto tempo lhe resta em Downing Street?

Líder conservadora anunciou um acordo com os unionistas irlandeses para conseguir a maioria que não obteve nas urnas. Eleições estilhaçaram a estabilidade política no país e põem em causa rumo do "Brexit".

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Reuters

Theresa May regressou nesta sexta-feira a Downing Street como se o seu mundo não lhe tivesse desabado em cima horas antes, quando a sondagem à boca das urnas anunciou que o Partido Conservador tinha perdido a maioria absoluta no Parlamento, provocando um trambolhão na libra e deixando de novo perplexos os líderes europeus. A líder conservadora, a quem a rainha incumbiu de formar governo, anunciou que vai trabalhar com os unionistas da Irlanda do Norte para dar ao Reino Unido a estabilidade necessária para enfrentar as negociações de saída da União Europeia. Mas com May a falhar “catastroficamente” a aposta que fez, é impossível vislumbrar estabilidade no futuro próximo do país e aposta-se já quanto tempo será preciso esperar até à realização de novas eleições.

A imprensa, que apoiou maioritariamente os conservadores, castigou sem perdão May, culpando-a quase por inteiro por uma derrota que teria evitado se, como sempre disse que faria, tivesse esperado pelo fim da legislatura e das negociações do “Brexit” para chamar de novo os britânicos às urnas. “Ela convocou estas eleições porque o próximo Parlamento enfrenta a tarefa mais difícil em várias gerações, levando a cabo o ‘Brexit’ e assumindo decisões em nome do país – algo que é quase impossível com uma pequena maioria”, escreveu o The Times em editorial.

Do lado oposto da barricada, era impossível não ler os resultados dos trabalhistas como um enorme e inesperado sucesso, ainda que o partido de Jeremy Corbyn tenha ficado aquém dos números que lhe permitiriam ambicionar a formação de uma alternativa de governo. Elegeu 262 deputados, mais 30 do que na anterior legislatura, conseguiu 40% dos votos (mais dez pontos percentuais do que nas legislativas de 2015), beneficiando de um nível de participação sem precedentes dos eleitores mais jovens. Conseguiu não só defender quase todos os círculos que em 2016 tinham votado a favor do “Brexit”, como bateu os conservadores nalguns dos seus bastiões tradicionais – pela primeira vez em 99 anos venceu no círculo de Canterbury, no Sudeste de Inglaterra.

“Parece-me muito claro quem venceu estas eleições”, disse Corbyn, que começou a campanha com níveis recorde de impopularidade e terminou a noite eleitoral a assegurar que o Labour “está pronto a servir as pessoas que confiaram nele”. A oposição interna, que ainda há semanas o descrevia como “inelegível”, admite que a sua liderança é agora de pedra e cal e que a viragem do partido à esquerda será duradoura. E o líder trabalhista anunciou nesta sexta-feira à noite que irá submeter ao Parlamento um programa de governo alternativo ao de May, na expectativa de conseguir mobilizar o apoio dos restantes partidos da oposição.

Uma alternativa que May quer afastar rapidamente da equação. “O país precisa mais do que nunca de certeza e, tendo garantido mais votos e um maior número de deputados, é evidente que só o Partido Conservador e Unionista tem legitimidade e capacidade para oferecer essa certeza”, disse no discurso à porta do n.º 10, usando propositadamente o nome oficial da formação que lidera. 

Um governo refém?

Antes de se dirigir ao Palácio de Buckingham fez saber que tinha um acordo com o Partido Democrático Unionista (DUP), da Irlanda do Norte, para garantir a maioria absoluta de deputados no Parlamento, somando os dez deputados da formação aos 318 que as urnas deram aos conservadores. Arlene Foster, a líder dos unionistas, veio depois explicar que só ainda há entendimento para discutir formas de garantir “a estabilidade do Reino Unido”, ainda que a May dê como certo que os “amigos e aliados do DUP” saberão agir em nome do interesse nacional.

Com a mesma rapidez, Downing Street anunciou que manterá em funções os cinco ministros com as pastas mais importantes do anterior Governo, entre eles Boris Johnson (Negócios Estrangeiros) e Amber Rudd (Interior), ambos apontados como potenciais sucessores da actual líder conservadora, e Philip Hammond, o ministro das Finanças cuja permanência era vista como improvável quando, no início da campanha, as sondagens previam uma vitória esmagadora dos conservadores. “Suspeito que Theresa May foi feita prisioneira pelos seus ministros”, escreveu no Twitter Joe Murphy, editor de Política do Evening Standard.

Uma alusão muito pouco subtil à enorme fragilidade da primeira-ministra que, tendo feito destas eleições um referendo à “liderança forte e estável que prometia ao país” regressou a Downing Street vergada por um resultado pior do que o conseguido por David Cameron em 2015, refém do DUP e do seu próprio partido, partindo fragilizada para as negociações em Bruxelas às quais pretendia chegar no pico da sua autoridade.

“Temos um governo conservador minoritário que está em funções mas não no poder. A maioria depende do capricho de dez unionistas da Irlanda do Norte”, escreveu George Osborne, antigo ministro das Finanças que May afastou quando, em Julho do ano passado, assumiu as rédeas do Governo e que, na cátedra de director do Evening Standard promete ser agora uma das principais vozes da dissensão dentro do partido. Osborne, que até ao referendo à UE era tido como o mais provável sucessor de Cameron, afirma que o anunciado entendimento com o DUP fará que “as decisões que afectam Londres sejam a partir de agora tomadas em Belfast”. “Essa não é uma posição sustentável.”

Brechas na lealdade

Numa entrevista às televisões, a líder conservadora acabaria por admitir que “este não era o resultado que esperava” e pedir desculpa aos colegas de partido que perderam o seu lugar em Westminster. Mas era já impossível encobrir as primeiras brechas na lealdade à líder. “Há uma verdadeira fúria contra esta campanha”, afirmou a deputada e antiga ministra Nicky Morgan que, apesar de admitir que o mais avisado é manter May no poder face à aproximação das negociações do “Brexit”, a posição da primeira-ministra é insustentável a médio prazo: “Ela não vai liderar o partido noutra eleição e acho que, demore semanas ou meses, teremos que olhar para a questão da liderança.”

O apoio a May é maior na ala eurocéptica do partido, receosa de que o seu afastamento signifique um recuo nos actuais planos de Londres para a saída do mercado único – planos para os quais os conservadores “não tem agora um mandato”, escreveu a pró-europeia Economist, sublinhando que “só um inimigo do povo tentaria ignorar o resultados destas eleições e concretizar a versão masoquista do ‘Brexit’ que May propôs aos eleitores”.

O desafio que May enfrenta adivinha-se insuperável, afirmou à Sky News Tim Bale, professor de Ciência Política da Universidade Queen Mary, explicando que, além de garantir um acordo com o DUP, a primeira-ministra “tem de assegurar o apoio dos seus deputados e convencer a UE que este governo vai durar”. “Acredito que teremos novas eleições em menos de um ano."

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