Na sala do 5.º C as provas de aferição não são motivo para nervos

Não contam para a nota. Nem chumbam. Mas são um verdadeiro teste nacional ao que os alunos sabem. Cerca de 100 mil do 5.º ano de escolaridade, com 10, 11 anos, fazem nesta quinta-feira a sua primeira prova nacional. Exames a sério só no 9.º.

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Foram 90 minutos non stop de preparação para a prova de aferição de Matemática e Ciências Naturais. Afonso não se enganou. Nuno Ferreira Santos
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A turma do 5.º C tem 20 alunos. Nesta aula faltaram três Nuno Ferreira Santos
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Os alunos do 5.º ano vão fazer duas provas de aferição Nuno Ferreira Santos
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Os exercícios foram tirados de um livro de preparação para a prova de aferição Nuno Ferreira Santos
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Os exercícios foram tirados de um livro de preparação para a prova de aferição Nuno Ferreira Santos
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André diz que é bom a Matemática e por isso não receia a prova Nuno Ferreira Santos
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Foram muitos os alunos que passaram pelo quadro Nuno Ferreira Santos
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Ana Gaspar é professora há 27 anos. Diz que o que mais gosta de fazer é dar aulas. Nuno Ferreira Santos
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É um teste “para ver se sei tudo”. É um teste “para decidir se passamos”. Na sala do 5.º C da Escola Básica Paula Vicente, do Agrupamento de Escolas do Restelo, em Lisboa, as opiniões dividem-se sobre as provas de aferição que vão fazer este mês. A primeira é já nesta quinta-feira e vai estar em avaliação História e Geografia de Portugal. A 12 de Junho será a vez de Matemática e Ciências Naturais, dois conteúdos curriculares na mesma prova, o que é também uma das novidades deste ano.

Para cerca de 100 mil alunos do 5.º ano será a primeira vez que realizam uma prova nacional. No ano lectivo passado deveriam ter feito o exame do 4.º ano de escolaridade, mas esta avaliação foi abolida pela actual equipa do Ministério da Educação. 

Na aula do 5.º C discute-se agora se a prova de aferição conta ou não para a nota. André já sabe que não, mas muitos dos seus colegas ainda pensam que sim. Foi uma das estratégias adoptadas pela professora de Matemática e Ciências Naturais, Ana Gaspar, para que os alunos valorizassem a prova de aferição. Oficialmente esta não conta para a nota final, mas no princípio do ano lectivo Ana Gaspar combinou com os pais que isto não se diria aos alunos.

Com idades entre os 10 e os 11 anos, numa sala com vista para o Tejo, os 17 que no início desta semana compareceram à aula de Matemática (faltaram três) tinham 90 minutos pela frente de preparação da prova.

Já haviam treinado antes, mas sem ocupar as aulas inteiras. Depois do teste final da disciplina, contudo, Ana Gaspar decidiu intensificar os preparativos. Diz que os alunos não têm evidenciado nervosismo em relação às provas de aferição.

Quando questionados pelo PÚBLICO, eles também não falam de nervos, mas mais uma vez as opiniões dividem-se. Os melhores alunos estão com vontade de fazer esta avaliação e alguns deles mostram-se mesmo aborrecidos por não terem tido hipótese de fazer os exames nacionais do 4.º ano. Já outros vão dizendo que “não têm vontade” de realizar a prova, acham que ela “é muito grande”.

“Matemática para mim é fácil, por isso não me importo, mas gostava que também houvesse exame a Educação Física”, remata André.

João é o melhor e o mais nervoso

Na maioria dos casos parecem estar à vontade nas lides matemáticas. Durante 90 minutos non stop passaram do cálculo decimal para as frequências, destas para as propriedades da multiplicação e depois fracções e mais tarde ângulos. João está sempre de braço no ar. Quer responder a tudo, impacienta-se, a professora tem que lhe dizer repetidamente para deixar os outros responder. Afonso, um dos seus colegas, resume-o assim: “O João é o melhor aluno a Matemática, mas também é o mais nervoso."

João está sentado ao lado de Ana, um dos sete alunos de etnia cigana da turma. Estão atentos, mas a sua produção é muito inferior à dos colegas. E também faltam mais. “Fora da escola não estudam, não têm apoios”, justifica Ana Gaspar, que diariamente tenta encontrar um equilíbrio para não deixar para trás os alunos com mais dificuldades e não desiludir aqueles que já estão mais à frente. “Não nivelo nem por baixo, nem por cima. Fico-me pelo meio”, relata.

Professora há 27 anos, diz que o que mais gosta de fazer é precisamente “dar aulas”. E isso percebe-se na interacção que vai tendo com os alunos, no modo como tenta puxar por eles e até fazer incursões por matérias de anos mais avançados, como é o caso da raiz quadrada. “Já tinha feito com o meu pai”, diz uma das crianças. Quase todos as outras demoram pouco a percorrer o caminho entre as potências e a raiz quadrada. Ficam contentes.

“Mas vai sair na prova?”, pergunta um. Ana Gaspar responde pela negativa, diz-lhes que esta é matéria que do 7.º ano de escolaridade. Margarida tem outra dúvida, mas desta vez não teve resposta: “Quem inventou a raiz quadrada?”

“Radiografia do sistema educativo”

A propósito do cálculo do percurso de vários animais distintos, segue-se um desvio pelas Ciências Naturais para saber quais as características dos bichos. É assim que será a prova de aferição. Ana Gaspar concorda com esta forma de fazer, diz que os cruzamentos entre as duas disciplinas são vários e que os alunos não estranharão a mistura. Na sala de aula eles mostram que assim é.

Numa carteira mais atrás, Giovana permanece calada, mesmo quando é interpelada pela professora. Chegou à escola, vinda do Brasil, apenas no final do 2.º período. Tudo ainda é novo para ela: a cidade, a escola, os colegas, os professores, as matérias. Mas nesta quinta-feira estará a fazer a prova de avaliação.

Segundo o Ministério da Educação, ao identificarem o que os alunos sabem ou não sabem, as provas de aferição funcionam como uma “radiografia do sistema educativo”. São provas nacionais, elaboradas pelo Instituto de Avaliação Educativa com as mesmas questões para todos os alunos do mesmo ano de escolaridade de todo o país. Os resultados da avaliação são qualitativos (não há uma nota, mas sim uma descrição do desempenho do aluno). Tanto os pais como as escolas recebem um relatório pormenorizado sobre como se saíram as crianças.

As provas de aferição realizam-se actualmente no 2.º, 5.º e 8.º ano de escolaridade (os alunos do 8.º também fazem nesta quinta-feira prova de Ciências Naturais e Físico-Química). Exames a contar para a nota final só a partir do 9.º ano, antes disso não. Esta foi uma das mudanças introduzidas pelo actual Ministério da Educação. Ana Gaspar discorda. Defende que no final de cada ciclo de escolaridade os alunos deveriam ter provas finais que contassem para a sua avaliação final. E justifica: “Estamos a preparar futuros adultos que vão ser avaliados a vida toda."

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