Drogas: se há "maior percepção de risco", há "mais necessidade de pedir ajuda"

Linda Montanari, perita do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, aponta diversos factores que podem explicar o aumento do número de pessoas que consomem cannabis que procuram tratamento.

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“A cannabis agora, em comparação com há 20 anos, está mais forte”, salienta a perita do observatório PAULO PIMENTA

É a droga ilícita mais consumida na Europa. O uso tende a ser recreativo, mas há cada vez mais gente a procurar ajuda. A cannabis já é responsável pela maior fatia (45%) de novos utentes dos programas de tratamento na Europa. Em Portugal, mais de metade (50,8%) dos que iniciaram tratamento pela primeira vez em 2015 indicaram-na como primeira droga de uso. A percentagem é ainda maior no Chipre (75,9), na França (74,9), na Hungria (62,7), na Alemanha (56,9), nos Países Baixos (55,5), na Roménia (54,8) ou na Bélgica (51,6). A socióloga Linda Montanari coordena a área de Procura de Tratamento no Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT). Esta procura é um dos cinco principais indicadores epidemiológicos usados para analisar a evolução anual nestas matérias.

Como interpretar o crescente número de pessoas que chegam às estruturas de tratamento tendo a cannabis como primeira droga de uso?

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Fizemos uma análise das tendências nos últimos anos. O número de pessoas que procuram tratamento por cannabis aumenta e, pelo contrário, o número de pessoas que procuram tratamento por heroína diminui. Há uma diminuição geral do consumo de heroína. Nos anos 1990 e 2000 houve um aumento do consumo de cannabis. Sendo consumida por muitas pessoas, mesmo um pequeno aumento de consumidores pode significar um grande aumento daqueles que procuram ajuda. Um aumento do consumo geral [porém] não tem de significar um aumento de consumidores intensivos. E, nalguns países, como Espanha, houve um aumento não do consumo geral, mas do consumo intensivo. Mas há muitos outros factores que podem influenciar.

Quais?

Houve alguns estudos sobre a relação entre cannabis e transtornos mentais, o que é um bocado difícil de definir. No último Eurobarómetro, a percepção do risco de cannabis aumentou em relação a outras substâncias. Se as pessoas têm uma maior percepção de risco, também têm mais necessidade de pedir ajuda. 

A cannabis está mais forte?

A cannabis agora, em comparação com há 20 anos, está mais forte. Há uma maior quantidade de THC. Depois, apareceram os cannabinoides sintéticos que são muito mais potentes que a cannabis, que tem mais consequências para a saúde. Em vários países, os instrumentos de monitorização ainda não estão adaptamos a estas novas substâncias, que às vezes não são registadas como tal, são registadas dentro da categoria cannabis. Pode ser que as pessoas experimentem consequências mais graves e procurem tratamentos. Em Inglaterra houve um período de alarme por causa de uma utilização muito elevada de cannabinoides sintéticos. Não era controlados e as pessoas podiam usar. Agora estão controlados, mas provocaram consequências graves. Naquele período, nem eram detectados nas análises das urinas [que se fazem nas prisões]. Houve muitas chamadas para as urgências. No mesmo dia, mais de 30 pessoas na mesma prisão. E houve pessoas que morreram. A substância foi detectada nas análises toxicológicas.  

A disponibilidade de serviços também influencia?

Quando os serviços viram que havia um aumento do número de pessoas à procura de tratamento por causa do consumo de cannabis também começaram a abrir centros. É a dinâmica do mercado. A procura influencia a oferta, mas a oferta também influencia a procura. Por exemplo, em França abriram-se centros de consulta para jovens e esses centros atraíram sobretudo consumidores de cannabis e por isso o número de pessoas que tem entrado em tratamento tem aumento. Nalguns países, como a Hungria - não é o caso de Portugal -  quem consome cannabis tem de ir para tratamento. Então a maioria ou grande parte dos que têm de ir para tratamento não são utilizadores tão frequentes de cannabis. Também há países com uma relativa baixa percentagem de consumidores de cannabis em tratamento, como a Holanda. Nesse caso, aqueles que estão em tratamento são utilizadores frequentes.

O OEDT reconhece o interesse suscitado pelas alterações legais no continente americano. No relatório, diz que para já parece claro que a “existência de um mercado de cannabis comercialmente regulamentado em alguns países não-europeus está a promover a inovação e o desenvolvimento de produtos”. 

Na Europa não há nenhum Governo que tenha legalizado a cannabis. Há algumas propostas parlamentares. Nos EUA, há oito estados que legalizaram a cannabis para uso recreativo, mas isso é muito recente. Temos de esperar mais para avaliar.

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