Um teclado, um microfone, uma outra ideia de baile

TochaPestana são baile popular, mas não exactamente como imaginamos. São o som de um novo arraial, futurista e sedento de passado. Top Flop, o segundo álbum de Gonçalo Tocha e Didio Pestana, já foi editado. Agora é tempo de o mostrar país fora.

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O que são os TochaPestana? São a banda que pega em refrães pop de bailarico e riffs roqueiros para uma concentração motard e deixam toda a gente confusa perante o que vê­ mas sacam aplausos e aprovação Paulo Castanheira

Tudo começou na Rua do Loureiro, em Alfama, em noite de Santos Populares. Gonçalo Tocha e Dídio Pestana, os TochaPestana, encaixados num recanto do pequeno largo, a dar música à festa. Dança variada, sentido de espectáculo, arrojo, audácia e emoção – “aquele ali em cima empoleirado na varanda, não é o cantor?”. Era, era Gonçalo Tocha em 2008, a extravasar. Tudo continuou aqui mesmo, no ano seguinte, nesta mesma escadaria na Rua dos Corvos em que falam agora ao Ípsilon. Convidados pela associação local, o Sport Benfica Corvense, os TochaPestana, num canto da dita escadaria, extravasaram novamente - “o vocalista fez crowd-surf e tudo”, ter-se-á comenta

Quase uma década passou desde então, mas TochaPestana é, em essência, o que era então, um duo que se inventa enquanto combo para uma nova festa vanguardo-popular, onde hard-rock, techno, hip hop, latinidades românticas e ritmo de baile de Verão são misturados enquanto Dídio empunha uma guitarra Flying V, ícone da guitarrada a sério, e Gonçalo traz bom casaco de brilhantes a palco. “TochaPestana não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona. Não tem fim. Idealmente, vai passar para os nossos filhos e para os nossos netos, como acontece com os grupos de baile e algumas orquestras da América do Sul”, sonha Gonçalo Tocha.

Os TochaPestana editaram Música Moderna, o primeiro álbum, em 2014, dez anos depois da residência artística em Alcobaça em que Gonçalo e Dídio foram desafiados pelos outros residentes a inventar qualquer coisa para animar as noites. “É daí que surge. Um teclado, um microfone, uma ideia de baile” - animação garantida.

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Gonçalo em Lisboa, Dídio em Berlim, foram sendo banda de palco e de rua – nos santos populares, em concentrações motard, em clubes na cidade alemã. Até que chegou por fim o momento de passar tudo a disco. Chegou Música Moderna, nascido das deambulações pelo velho Cais do Sodré lisboeta, antes da gentrificação e da calçada pintada de cor-de-rosa. “O passado imita-nos”, diziam eles então. Em 2017, Top flop.”O futuro há-de imitar-nos”, dizem agora.

Tochapestana estão a preparar-se para partir país fora para uma digressão que passará por clubes e auditórios, por espaços ao ar livre e espaços fechados onde a madrugada avança sem que demos por ela. A primeira data cumpre-se este sábado no Piolho Bar, na Praia da Tocha. Segue-se a noite de SantoAntónio, dia 12, no arraial Sardinhas Achadas, nas escadinhas da Achada, na Mouraria, e, dia 16, ainda na capital, um concerto no Titanic Sur Mer. Uma semana depois, a 23, aterram na noite de São João, em Braga. No dia seguinte, correm de novo até Lisboa para participar no Arraial da Mouraria, e a digressão termina com um concerto no Cineclube de Guimarães (dia 30) e um outro no espaço Carmo 81, em Viseu (1 de Julho). “Top Flop”, cantarão quando e onde os quiserem. Assim: “Nós somos uma arte menor/ a canção pop, pop/ suja no top, top/ cheia de flop, flop/ Podia ser pior, esta arte menor/ cheia de flop, flop / overdose de xarope”.

O que são afinal, os TochaPestana? São a banda que pega em refrães pop de bailarico e riffs roqueiros para uma concentração motard e deixam toda a gente confusa perante o que vê – mas sacam aplausos e aprovação. São a banda que leva fumos e coro afinado a palco para, com batida bem medida e festa de intervenção, pôr uma sala a cantar com eles canção libertadora - “Lisboa, boa! Lisboa, voa!”, assim encerraram o concerto de apresentação de Top Flop no Musicbox. São a banda do crowd-surf em Santos Populares, a banda com um vocalista, Gonçalo Tocha, que faz solo de mini-sintetizador, com o dito mini-sintetizador manuseado à altura das ancas, à guitar-hero, no palco da piscina durante o Milhões de Festa, em Barcelos. Uma banda que nos diz “tudo é espectáculo e toda a gente sabe que é espectáculo”. Tocha: “Para nós o palco é sagrado. Não estou ali para, despido, exclamar: 'isto são as minhas fraquezas e sou assim no dia a dia'. Existem muitas expressões artísticas. A nossa é a do espectáculo, mas não temos camiões e cinquenta pessoas a trabalhar para nós”.

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Voltemos àquilo que definiram como “as migalhas da história”. “Temos um certo carinho pelos cantores e bandas que, por alguma razão, passaram ao lado” - e falam de Raul Fernando, músico que, garantem, “podia ter sido o Tony Carreira”. Recordam que o que fazem, ou seja, música guiada por sintetizadores e caixas de ritmo antigas, foi “a base do baile popular, em todas as culturas e latitudes, nos anos 1980 e 1990”. TochaPestana criam um presente alternativo, diverso, em que esse baile popular se metamorfoseou, se recheou de outras expressões musicais e se tornou um novo discurso onde é rainha a frase curta, qual slogan, e a rima cantada com entrega de agitador pop.

Como sabemos, Gonçalo Tocha é também realizador de cinema - e Dídio Pestana o seu braço direito. Música Moderna nasceu depois dos tempos exigente, intensos, em que mergulharam na vida da ilha açoriana do Corvo de que nasceu o celebrado “É na Terra, Não é Na Lua”. Enquanto TochaPestana germinava, foram mergulhando no imaginário do duo até chegarem ao que são agora, neste dia em que falam com o Ípsilon no coração de Alfama enquanto passam tuk-tuks e turistas se encavalitam nas escadas da rua para uma foto de grupo. Não são exactamente Gonçalo e Dídio, mas também não se escondem atrás de máscaras. São qualquer coisa de intermédio.

Estão aqui para mostar uma coisa muito simples: “O mundo está sempre a mudar. O passado imita o futuro e o futuro imita o passado. Aquilo que se julga desaparecido, há-de voltar de uma forma futurista. Isso diverte-nos muito. É daí que surge o 'Top Flop'. O top há-de ser flop e o que é flop há-de chegar ao top”. E eles cá estarão para nos dar conta disso tudo que se transforma. No arraial, no clube, no auditório, nos santos. Sem fogo de artifício, mas sempre com brilho intenso. Afinal, espectáculo é espectáculo.

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