Dois relatórios, uma convicção comum: a dívida é excessiva

Depois de grupo de trabalho do PS e Bloco de Esquerda ter avisado que reduzir a dívida sem reestruturá-la penaliza a economia, um think tank próximo do PSD defende que, pode demorar tempo, mas essa é uma solução possível.

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Moreira da Silva, ex-vice-presidente do PSD, deu a cara pelo estudo apresentado ontem TIAGO MACHADO

Separados na sua divulgação por pouco mais de um mês, dois estudos, provenientes de duas áreas políticas distintas, apresentaram duas soluções diferentes para enfrentar o mesmo problema: o reconhecidamente elevado peso da dívida pública em Portugal.

No final de Abril, o grupo de trabalho da dívida do PS e Bloco de Esquerda apresentava um relatório em que defendia que, para além de diversas alterações na gestão da dívida a curto prazo que poderiam ajudar a minimizar o problema, seria importante o Governo tentar obter junto dos seus parceiros da zona euro o acordo para uma reestruturação da dívida oficial, através de reduções das taxas de juro e do alargamento dos prazos dos empréstimos. Se não o fizesse, o esforço exigido pela manutenção de excedentes orçamentais primários (que não contabilizam a despesa com juros) muito elevados colocaria em causa a capacidade de o país crescer.

Esta segunda-feira, a Plataforma para o Crescimento Sustentável (PCS), uma associação que conta na sua direcção com vários militantes do PSD, respondeu, defendendo que “não existem soluções milagrosas” para reduzir a dívida, que “medidas radicais de reestruturação comportam custos económicos e sociais muito elevados” e que Portugal até tem capacidade para reduzir por si o peso da dívida, se conseguir apresentar um excedente orçamental primário de 3% durante um espaço de tempo de 10 a 15 anos.

Nesse cenário, calcula o novo estudo, seria possível colocar o rácio da dívida abaixo dos 100% do PIB, evitando cenários de reestruturação da dívida considerados “irrealistas, inviáveis e nefastos”.

O relatório, com o título "Que Caminhos para a Dívida Pública Portuguesa?", foi realizado pelo grupo de trabalho para as Finanças Públicas da PCS – associação que tem o ex-ministro e ex-vice presidente do PSD Jorge Moreira da Silva como presidente fundador – e analisa três cenários de reestruturação da dívida. Os dois primeiros envolveriam um corte da dívida detida por investidores privados, que permitiria reduzir substancialmente o peso da dívida no PIB. No entanto, diz o estudo, Portugal seria excluído dos mercados e os bancos portugueses sofreriam perdas de 25 a 30 mil milhões de euros.

Nesses cenários, assinalam os autores, o Estado não teria capacidade para capitalizar os bancos e as regras europeias imporiam perdas aos detentores de depósitos, o que obrigaria à aplicação de controlos de capital. “Trata-se de pôr Portugal numa situação muito próxima daquela que a Argentina viveu em 2001”, sentenciam.

No terceiro cenário, o relatório analisa a possibilidade de uma reestruturação dos empréstimos concedidos a Portugal pelos parceiros da zona euro. É esta a sugestão feita pelo grupo de trabalho da dívida do PS e Bloco de Esquerda, que também não recomenda uma reestruturação da dívida dos privados.

Neste caso, o estudo da PCS defende que uma extensão dos prazos e redução dos juros são de difícil aplicação prática e trazem vantagens relativamente reduzidas. Seja no caso de uma extensão de dívida, diferimento dos prazos ou mesmo haircut da dívida é salientada a existência de “incontornáveis dificuldades políticas”, incluindo problemas de ordem legal, defendendo-se que os efeitos positivos apenas seriam sentidos a longo prazo.

Ao recusar a reestruturação, o relatório tenta mostrar que isso não significa que a sustentabilidade da dívida seja impossível. “Assegurar uma trajectória sustentável da dívida pública num contexto de grande incerteza internacional é uma tarefa que, sendo muito exigente, está ao nosso alcance”, diz o relatório, que mostra depois os números em que baseia essa convicção.

Os autores dizem que a combinação de saldos primários com um excedente em torno de 3% do PIB (em 2016 o excedente foi de 2%) com taxas de crescimento nominais acima dos 3% ao ano “permitiriam reduzir a dívida pública a um ritmo razoável, e no espaço de 10 a 15 anos, trazê-la para valores significativamente abaixo de 100% do PIB”.

O relatório deixa ainda algumas recomendações daquilo que podem ser as propostas portuguesas para um debate europeu sobre o peso da dívida a realizar no futuro. É sugerida a mutualização da dívida através da emissão de eurobonds até 60% da dívida de cada um dos países, o que no caso português traria uma poupança estimada em 0,5% do PIB, ao ano. E aconselha-se também que o Mecanismo de Estabilidade Europeu compre as OT detidas actualmente pelo BCE.

Presente na sessão de apresentação pública do relatório, a presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso deixou claro que tipo de abordagem ao problema da dívida prefere, tendo afirmado que "não há soluções milagrosas nem soluções muito rápidas" para reduzir a dívida pública e defendendo que o relatório da PCS "é um trabalho muito sério".

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