Modelo e desafios regulatórios da mobilidade elétrica

A mobilidade elétrica afigura-se incontornável, mas até que ponto o modelo regulatório que temos propicia o crescimento da eletromobilidade?

Independentemente de se acreditar ou não no recente estudo de Tony Seba, da Universidade de Stanford, que prevê que já em 2025 todos os carros serão elétricos, certo é que as metas europeias e da COP21 de redução de emissões de gases de estufa, de quota de energias renováveis e de eficiência energética para esta e próximas décadas são ambiciosas e a eletrificação do transporte é uma peça fundamental para atingir esses objetivos.

Desde cedo Portugal posicionou-se para ser pioneiro na mobilidade elétrica com a criação, em 2009, do Programa para a Mobilidade Elétrica, que tinha como objetivos a introdução e massificação da utilização do veículo elétrico e a criação de uma infraestrutura de carregamento acessível a qualquer utilizador.

O modelo jurídico da mobilidade elétrica veio a ser instituído pelo Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, e assentou, designadamente, na identificação de três atividades específicas de mobilidade elétrica a ser exercidas por entidades autónomas entre si — comercialização de eletricidade para mobilidade elétrica (CEME), operação de pontos de carregamento (OPC) e gestão de operações da rede de mobilidade elétrica (GME) —, numa rede inteligente e integrada de carregamento de veículos elétricos de âmbito nacional, acessível aos utilizadores em regime de universalidade e equidade, na distinção entre pontos de carregamento de acesso público e de acesso privativo, na promoção da instalação de pontos de carregamento em edifícios e no incentivo financeiro à aquisição de veículos elétricos por particulares. Foi, ainda, criada uma rede piloto, com caráter experimental e cobertura nacional, abrangendo 25 municípios e a decorrer previsivelmente até final de 2012, envolvendo a instalação de 1300 pontos de carregamento normal e 50 de carregamento rápido — a rede Mobi.E. 

Verificando-se a baixa adesão do mercado na oferta e aquisição de veículos elétricos, a implementação e utilização da infraestrutura aquém do previsto e um número de players reduzido, o modelo jurídico veio a ser revisto em 2014, orientado, nomeadamente, para integração na rede nacional dos pontos de carregamento em espaços privados, maior concorrência nas atividades de CEME e OPC e conclusão da rede piloto.

Face à necessidade de correção de avarias, melhoria, expansão e relocalização da rede de carregamento, e tendo em conta a publicação da Diretiva 2014/94/EU, relativa à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos na UE, em 2015 foi elaborado o Plano de Ação para a Mobilidade Elétrica e em 2016 foi relançada a rede piloto, prevendo-se o alargamento e conclusão até 2018, num total de 1604 pontos de carregamento normal e 50 rápidos, mantendo-se a gestão pela Mobi.E.

2017 é apontado como um ano de mudança e crescimento da mobilidade elétrica, sendo uma das prioridades assumidas pelo Governo português. A rede piloto vai entrar em fase de mercado, passando os utilizadores a pagar os carregamentos. Os fabricantes de automóveis anunciam novos modelos de carros elétricos com preços mais competitivos, maior autonomia e menores tempos de carregamento, fazendo uma forte aposta em tecnologia e inovação nesta área. As vendas de veículos elétricos e híbridos bateram recordes no primeiro trimestre de 2017 a nível europeu e nacional. A instalação de superchargers da Tesla é anunciada. Os novos modelos de mobilidade partilhada, inteligente e autónoma envolvendo a mobilidade elétrica são uma realidade.

A mobilidade elétrica afigura-se incontornável, mas até que ponto o modelo regulatório que temos propicia o crescimento da eletromobilidade? É possível identificar alguns desafios que o mesmo enfrenta. Alargamento, nomeadamente em termos de infraestrutura, a outros veículos elétricos rodoviários, como as bicicletas e os pesados elétricos. Definição clara do regime de propriedade dos pontos de carregamento da rede piloto finda a mesma e do figurino jurídico da exploração desses pontos pelos OPC no âmbito de procedimentos concorrenciais, garantindo os direitos dos utilizadores a informação e a preços transparentes razoáveis, comparáveis, transparentes e não discriminatórios. Flexibilização do modelo mono-rede de carregamento e promoção de uma maior concorrência e liberdade nas atividades da mobilidade elétrica, permitindo-se que os OPC estabeleçam relações comerciais com os utilizadores, revendam eletricidade como parte do serviço e cobrem pagamentos ad hoc. Repensar da rede de carregamento de acesso privativo centrada nos espaços domésticos e de escritórios, alargando-se a outros espaços como hotéis, restaurantes, centros comerciais e mesmo domínio público, admitindo-se modelos de negócio assentes na oferta complementar de serviços de mobilidade elétrica a clientes, sem que os detentores tenham de se constituir como CEME, OPC ou ligar-se à rede nacional. Dinamização dos incentivos não financeiros à mobilidade elétrica, que a experiência demonstra serem um importante fator de sucesso na aquisição de veículos elétricos, como estacionamento gratuito em determinadas zonas reguladas (como em Lisboa), parques de estacionamento exclusivos para veículos elétricos e utilização de vias dedicadas aos transportes públicos. Acolhimento de novos modelos e serviços de mobilidade elétrica, como sharing de veículos elétricos, nomeadamente permitindo que sejam afetos pontos de carregamento da rede pública de carregamento a sistemas de partilha de veículos elétricos. Maior integração e utilização de energias renováveis, como a instalação de painéis solares fotovoltaicos para gerar eletricidade usada nos pontos de carregamento, as quais terão também um importante papel na adequação do sistema elétrico nacional ao número crescente de veículos e a uma infraestrutura mais alargada. Abertura à inovação tecnológica para acolher interfaces não enquadráveis no interface padrão, futuras tecnologias de interface, como o carregamento sem fios e a troca de baterias, e evolução para redes inteligentes com sistema de bidirecionalidade de carregamento (vehicle-to-grid) permitindo a venda de eletricidade armazenada nas baterias. Incorporação nas aquisições de serviços e bens de mobilidade elétrica pela Administração da contratação pública verde e das parcerias para a inovação, tendo em conta as Diretivas da Contratação Pública e a revisão do Código dos Contratos Públicos.

Nesta indústria, onde a inovação acontece de forma galopante e o futuro está em constante mutação, a capacidade de pormos em prática um enquadramento regulatório da mobilidade elétrica versátil e adequado vai ter, inevitavelmente, um papel preponderante no sucesso de Portugal nesta área.

A autora escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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