Comissão pede união bancária já e Ministério das Finanças europeu mais tarde

Bruxelas apresenta as suas propostas de reforma da zona euro, que incluem mutualização da dívida, seguro de desemprego europeu e criação de um ministro das Finanças europeu, mas apenas no médio prazo.

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Pierre Moscovici foi um dos comissários a apresentarem a proposta Reuters/POOL

A finalização do processo de criação de uma união bancária completa, incluindo uma solução rápida para o problema do crédito malparado que afecta muitos países, é uma das propostas apresentadas pela Comissão Europeia para ser aplicada durante os próximos dois anos no processo de reforma da zona euro. Ideias mais ambiciosas como a criação de instrumentos de mutualização das dívidas públicas ou a criação uma estrutura institucional semelhante a um Ministério das Finanças da zona euro com capacidade orçamental são também sugeridas por Bruxelas, mas para análise e aplicação apenas no período compreendido entre 2020 e 2025.

O relatório apresentado esta quarta-feira pelos comissários Valdis Dombrovskis e Pierre Moscovici adopta um tom sempre muito prudente, parecendo tentar não exacerbar as divergências profundas que existem neste momento entre vários Governos da zona euro. De um lado, há países, como Portugal, que defendem que para a zona euro ter sucesso tem de avançar rapidamente para uma maior partilha de riscos; do outro, há países como a Alemanha, que dizem que antes da partilha de riscos tem de haver uma convergência das políticas económicas e orçamentais e o cumprimento estrito das regras em vigor.

A Comissão tenta uma posição intermédia, em que a partilha de riscos avança em simultâneo com a exigência de aplicação das regras. E distingue medidas que são propostas para serem acordadas até ao final de 2019 de outras medidas, mais ambiciosas e difíceis de consensualizar, que ficam para o período compreendido entre 2020 e 2025.

Até ao final de 2019

— Definição de estratégia para o crédito malparado. A Comissão diz que, se este problema não for resolvido, “o crédito malparado irá continuar a pesar no desempenho do sector bancário da zona euro e continuará a ser uma fonte de fragilidade financeira”. Por isso, defende “uma acção coordenada e resoluta ao nível da UE”, que inclua o fortalecimento das práticas de regulação, a aplicação de medidas para desenvolver um mercado secundário para os créditos malparados, uma reforma dos enquadramentos legais nacionais e uma reestruturação mais profunda do sector bancário. O Governo português é um dos que neste momento estão à procura de uma solução para reduzir o peso do crédito malparado no balanço dos bancos, esperando por uma solução a nível europeu.

— Completar a união bancária. Depois de apenas se ter avançado para uma autoridade de supervisão comum, há dois grandes passos que faltam dar para que a união bancária na zona euro fique completa: um fundo de resolução único europeu e uma garantia de depósitos comum. A Comissão defende que estas duas medidas têm de ser acordadas até ao final de 2019, podendo deste modo ser aplicadas na prática pelo menos até 2025. Para financiar o fundo de resolução, a Comissão defende que a responsabilidade caberá ao próprio sector bancário, mas assume a necessidade de os países da zona euro assegurarem verbas que respondam a um cenário de crise mais generalizada. A solução preferida pela Comissão passa pela criação de uma linha de crédito proveniente do Mecanismo de Estabilidade Europeu.

— Promover a titularização de dívida pública. Esta medida tem como objectivo criar um activo sem risco na zona euro e envolve a possibilidade de se juntar num mesmo activo os diversos títulos de dívida pública emitidos pelos países da zona euro. A Comissão faz questão de garantir que não há aqui qualquer tipo de mutualização. O que se pretende é dar a possibilidade a agentes financeiros como os bancos (que actualmente estão expostos à dívida do próprio país) de adquirirem títulos em que o risco está diversificado pela dívida dos diversos Estados do euro.

Para além de 2019

— Avançar para a emissão comum de dívida. A Comissão defende as vantagens de uma medida deste tipo na zona euro, mas não arrisca uma proposta concreta nesta matéria, deixando em aberto diversas possibilidades que vão da mutualização completa da dívida até à garantia de que não haveria a assunção de responsabilidade em comum. O apelo de Bruxelas é, nesta fase, que se entre numa fase de reflexão.

— Alterar o enquadramento regulatório das obrigações do tesouro. A forte interdependência entre os bancos e as finanças públicas de um país é um dos problemas que mais preocupam a Comissão, que defende que se deve ponderar, com cautelas, a alteração de algumas regras, como a da consideração de risco zero, por forma a incentivar os bancos a diversificaram a sua exposição à dívida pública.

— Aumentar a coordenação de políticas económicas. Bruxelas quer reforçar os mecanismos já previstos no Semestre Europeu, incluindo tornar ainda mais visível a análise e as recomendações relativa a políticas agregadas para a totalidade da zona euro.

— Dar à zona euro uma capacidade para estabilizar a economia. A Comissão diz que é preciso que exista na zona euro algum mecanismo que ajude a evitar crises em determinados países. Como é que isso seria feito? O relatório lança diversas ideias, incluindo a criação de um Orçamento da zona euro que poderia servir para financiar um seguro de desemprego europeu (que ajudasse os países em crise a dar respostas ao desemprego sem penalizar tanto os seus orçamentos) ou um mecanismo de manutenção do investimento público nas fases negativas do ciclo económico. Para financiar este Orçamento da zona euro, as sugestões vão da utilização dos fundos europeus já existentes até à imposição de contribuições nacionais baseadas na dimensão da economia de cada país, até à consignação de uma parte da receita do IVA.

— Um presidente exclusivo para o Eurogrupo. A Comissão defende que se tem de começar a pensar em avançar para a existência de um presidente do Eurogrupo (o grupo que reúne os ministros das Finanças dos vários países da zona euro) que esteja a tempo inteiro nessa função, isto é, que não seja ministro das Finanças de algum dos países, ao contrário do que acontece agora. Para mais tarde, Bruxelas defende que esse cargo seja fundido com o de comissário europeu para os assuntos relacionados com a união monetária.

— Criar um verdadeiro Ministério das Finanças europeu. Esta é uma medida pensada para “uma fase posterior do aprofundamento da união monetária”. O ministro das Finanças europeu seria também o líder do Eurogrupo e teria entre as suas competências a fiscalização das políticas económicas e orçamentais, a aplicação de um orçamento comum da zona euro e a emissão de dívida comum.

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