Juiz Carlos Alexandre defende a "liberalização de algum comércio de drogas"

Magistrado diz que organizações criminosas conseguem infiltrar governos, parlamentos, polícias e tribunais, “paralisando o braço que deve golpeá-las” e “obtendo impunidade permanente”.

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Carlos Alexandre nesta terça-feira nas conferências do Estoril Nuno Ferreira Santos
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O juiz mais conhecido do país, Carlos Alexandre, defendeu nesta terça-feira que a "liberalização de algum comércio de drogas", mantendo-o sob o controlo estatal, teria um efeito muito positivo: “não apenas retiraria dos circuitos do crime comum os 50% a 60% de drogados e pequenos traficantes que para ele contribuem, como reduziria drasticamente a expressão do crime organizado”, que “sofreria o mais rude golpe”. Carlos Alexandre, que sublinhou que o tráfico de drogas é uma das principais fontes de financiamento do crime organizado, foi um dos oradores das Conferências do Estoril na tarde desta terça-feira, evento que conta também com a participação do ex-juiz espanhol Baltasar Garzón e do juiz brasileiro Sérgio Moro

“Não seria, aliás, só o tráfico de drogas que deixaria de ter justificação. Os demais tráficos ilícitos – de armas, de prostitutas, de empregos, de materiais nucleares, etc. – passariam a enfrentar dificuldades de alimentação financeira que hoje os não preocupam”, antecipou ainda o magistrado, cuja intervenção se baseou, em grande parte, em ideias deixadas pelo ex-presidente da Assembleia da República Almeida Santos na obra “Pare, Pense e Mude!”.Com a liberalização, as “drogas seriam adquiríveis a preços irrisórios, ao nível dos do álcool ou do tabaco”, salientou o juiz. “E o uso destes, também tóxicos, não alimenta significativamente a criminalidade comum”, apontou recordando que “foi este o remédio encontrado na década de 30 do século passado contra as mafias de exploração da lei seca. Sem que tivesse aumentado o consumo do álcool”. O magistrado deixou ainda o exemplo da experiência “feita com êxito em relação à metadona e outras drogas de substituição”.

“Esta coisa do 'superjuiz' tem de parar"

Aproveitou ainda para salientar que não gosta do epíteto que se lhe colou: “Esta coisa do 'superjuiz' tem de parar, porque não me revejo nela e cria muitos anticorpos”. Arrumado o assunto, partiu para a explanação de um dos fenómenos que mais atenção lhe tem merecido nos últimos anos: a corrupção. E não teve pejo em afirmar que considera excessivas as garantias de defesa de que beneficiam os suspeitos de corrupção e de criminalidade organizada: "São aliadas naturais dos criminosos, nomeadamente dos monstros do crime organizado. Protegem até à quase impunidade os que se dedicam à corrupção", fenómeno que, tanto quanto pode prever, "nunca vai acabar."

Sempre respaldado nas  palavras de Almeida Santos, o magistrado condenou o direito fiscal por ser "demasiado contemporizante" com com uma economia que permite a camuflagem de dinheiro via offshores, em benefício dos “figurões e sociedades envolvidas”. Tudo feito por “homens de bem”, verdadeiros benfeitores envolvidos até em obras de caridade, acrescentou, para colocar em seguida em causa a eficácia das penas de prisão no que à inculcação de certos valores diz respeito: “Como se ressocializa o banqueiro que lava mais branco?”

A apropriação do poder político pelo crime organizado foi outro dos temas da intervenção de Carlos Alexandre, que gostava de ver criados tribunais de jurisdição penal com competência plurinacional, enquanto não puder ser universal. Citou um sociólogo suiço que se debruçou sobre a questão: "As organizações criminosas são bastante poderosas para infiltrar governos, parlamentos, administrações policiais e palácios da justiça. Para paralisar o braço que deve golpeá-las, obtendo uma impunidade real e permanente."

De resto, as soluções não têm sido as melhores:  “Há criminalística a mais e política a menos no combate às novas formas de criminalidade. Pedem-se às polícias, aos tribunais e às prisões respostas que não estão ao seu alcance”, diagnosticou o juiz, que é um adepto da chamada delação premiada , mecanismo legal pelo qual a justiça desiste de punir ou atenua a punição dos criminosos que denunciem os seus cúmplices. “É um instrumento típico de democracias maduras, reputadas e desenvolvidas como a Alemanha, França, Itália e Estados Unidos”, apontou, ressalvando que não dispensa o Ministério Público de investigar se aquilo que é denunciado corresponde mesmo à verdade.

Ainda do lado das soluções, impõe-se o recurso a medidas políticas de educação cívica de combate aos estímulos conhecidos – e também às causas económicas, sociais e culturais que estão na base das condutas desviantes, preconizou. Mas também apertar o controlo dos regimes de financiamento dos partidos e de repressão dos casos em que seja ilegal. 

Vindo do outro lado do Atlântico, Sérgio Moro sabe bem demais o que isso é: "Considerando os casos que já foram julgados, a corrupção descoberta no Brasil é vergonhosa". Mas ao contrário do colega português, mostrou-se optimista em relação à sociedade civil, quando falou do anseio do povo brasileiro por "um país mais limpo".

Com duas passagens pela vida política, primeiro pelo PSOE e agora numa nova plataforma partidária, Baltasar Garzón diz que é ainda serviço público aquele que presta quando se dedica a este tipo de actividades. "Nem todos os políticos são corruptos. Há de tudo, como na farmácia", enfatizou. Até porque "também existe corrupção nas mais altas esferas judiciais".

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