Acabar com fome nas escolas e aumentar o abono. BE quer fim da pobreza infantil em 10 anos

BE quer ouvir as crianças sobre as políticas para a área. Catarina Martins garante que o custo de muitas destas medidas já está contemplado no Orçamento ou previsto no relatório de grupo de trabalho sobre o tema.

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LUSA/RUI MINDERICO

É a própria Catarina Martins quem conta que nada a tem “comovido” mais, nos últimos tempos, do que ouvir alunos segredarem-lhe, durante as visitas às escolas, que “a comida da cantina não chega”. Dizem-lho baixinho, ao ouvido. Assegurar a qualidade e a quantidade daquelas refeições é urgente para a coordenadora do Bloco de Esquerda. “Crianças com fome nas escolas é algo que não podemos aceitar”, disse nesta segunda-feira, em Lisboa, enquanto apresentava medidas para erradicar a pobreza infantil.

Mas das várias medidas que foram apresentadas, a que poderá implicar mais negociações é a actualização do valor do abono de família em todos os escalões (no ano passado, o Governo actualizou três escalões). "Temos tido aumentos que são importantes, um escalão ou outro, majorações, mas precisamos de garantir que o abono de família não fica para trás com uma inflação que vai aumentando e com necessidades dos custos das famílias, que também vão aumentando. O próximo Orçamento do Estado seguramente tem de dar uma resposta forte à questão do abono de família", disse Catarina Martins.

O grupo de trabalho que se debruçou (e que juntou PS, BE e Governo) sobre o tema acordou retomar o estudo sobre a reformulação do abono de família, “para que, em função das disponibilidades orçamentais dos anos seguintes, seja aumentada a eficácia desta prestação social”.

O conjunto das propostas do BE chama-se Compromisso Nacional para a Erradicação da pobreza infantil: os bloquistas entendem que pode ser concretizado em 10 anos e querem “ouvir as crianças no processo de decisão de políticas públicas”. A ideia também já era “equacionada” no relatório do grupo de trabalho. BE, PS e Governo coincidiram, aliás, em mais ideias, mas o BE vai agora apresentá-las na forma de projectos de resolução.

Por exemplo, no que respeita às cantinas, o grupo de trabalho já tinha concordado com “um plano de controlo de qualidade e da quantidade da comida fornecida em regime de outsourcing nas cantinas escolares” e com “a comparticipação” das refeições em período de férias para os alunos da Acção Social Escolar (ASE). Também o BE quer pequeno-almoço para todos nas escolas (os municípios assegurariam o ensino básico; a administração central o secundário) e gratuitidade das refeições em período de férias para os primeiro e segundo escalões da ASE.

Vales para livros e material escolar, no âmbito da Acção Social Escolar – para que os pais não tenham de adiantar dinheiro, mesmo que depois seja devolvido – é outra das propostas do BE. Neste aspecto, também o relatório previa “voucher para a compra de livros escolares e de material escolar para os alunos dos escalões A e B”. Catarina Martins defende ainda actividades de tempos livres para todas as crianças e, tal como previsto no acordo de Governo, o acesso ao pré-escolar a partir dos três anos.

Saúde e RSI

Na saúde, também há consonância entre BE, PS e Governo. O BE quer médicos de família para todas as crianças até fim de 2017 (no grupo de trabalho ficou definido até final de 2018); garantir, tal como defendeu o grupo de trabalho, o acesso a consultas de dentistas e oftalmologista nos centros de saúde; rastreios de saúde oral e visual nos jardins-de-infância e ensino básico; e distribuição de antiparasitários nos jardins-de-infância e 1.º e 2.º ciclo. Ora, o Governo também estabeleceu como prioridade expandir e melhorar a capacidade da rede de cuidados de saúde primários, para garantir que todos os portugueses têm um médico de família.

No que toca ao Rendimento Social de Inserção (RSI), e também como defende este executivo, os bloquistas propõem o aumento do valor de referência em três anos para atingir o valor da pensão social em 2019. "É preciso aumentar o valor de referência em três anos, para atingir o valor que era o valor de referência do RSI antes de começarmos os cortes absurdos da austeridade, que era o valor da pensão mínima. Esta era a referência, esta deve voltar a ser a referência", disse Catarina Martins.

A bloquista argumenta que o custo de muitas destas medidas já está contemplado no Orçamento do Estado para 2017 ou previsto no relatório de grupo de trabalho. Em alguns casos, há medidas que já estão vigor, mas apenas em algumas escolas ou de forma circunscrita, em projectos-piloto.

O PÚBLICO questionou o Governo sobre este pacote de medidas do BE, mas o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não quer pronunciar-se, antes de analisar as propostas e de os projectos de resolução darem entrada no Parlamento. Mesmo tendo em conta que é uma questão parlamentar, o gabinete de imprensa sublinha que “o combate à pobreza infantil, em especial nos três primeiros anos da criança, é uma das prioridades” do executivo. “Todas as crianças com idade até 36 meses e com direito ao abono de família passarão a receber o montante mensal mais elevado que até agora era atribuído apenas a crianças nos primeiros 12 meses de vida. Adicionalmente, e também para crianças até aos 36 meses, será feita a reposição do 4.º escalão de rendimentos, eliminado em 2010. A convergência dos montantes e a reposição do 4.º escalão serão implementadas de forma progressiva até 2019”, lê-se na resposta enviada ao PÚBLICO.

Unidade do SEF para crianças “sem papéis”?

Aproveitando para reagir à notícia do Diário de Notícias, segundo a qual o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) pode vir a ter um atendimento especial para processos relacionados com os vistos gold, Catarina Martins deixou uma ideia: “Devo dizer que um país que leve a sério quem aqui vive, que leve a sério as questões dos direitos humanos, não compreenderá seguramente que não seja possível uma unidade especial para garantir que as crianças que cá vivem têm todas papéis, têm todas a situação regularizada.”

A coordenadora do BE falava das crianças que vêem os seus direitos diminuídos porque os pais não têm a situação regularizada em Portugal. "Neste momento no parlamento está a haver um debate sobre as questões da imigração e da nacionalidade. Ninguém compreenderia que nós não fossemos capazes de resolver o problema das crianças do nosso país que não têm papéis”, disse a bloquista, acrescentando que todos os dias são negados direitos a estas crianças, seja no desporto ou no transporte escolar. “Fomos confrontados há pouco tempo com uma criança que nasceu em Portugal com paralisia cerebral, e porque a família tem uma situação irregular, ela não tem acesso sequer à cadeira de rodas de que precisa do Serviço Nacional de Saúde", contou.

Antes, Catarina Martins tinha lembrado que, segundo um relatório da UNICEF de 2013, desde 2008 que as crianças são o grupo etário com maior risco de pobreza. Em Portugal, em 2015, a taxa de risco de pobreza era de 19% e o grupo que apresentava maior risco (22,4%) era precisamente o que vai até aos 17 anos.

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