O choque de civilizações

Trump faria bem em não tratar a NATO como uma mercearia de armamento. A aliança política, militar e económica do mundo livre pode bem vir a fazer falta aos Estados Unidos.

Trump é um senhor feudal que preside a uma nação multicultural na época mais globalizada da história. O homem é uma contradição em si mesmo que ameaça pôr em causa a relevância americana e pelo meio destruir algumas das conquistas globais mais recentes – de que o melhor exemplo é o acordo de Paris para as mudanças climáticas.

A ignorância histórica que Donald Trump demonstra só é comparável à inépcia negocial que demonstra sempre que encontra pela frente alguém que fale outra língua. Os erros de Trump vão ser pagos bem caro pelos Estados Unidos, e outros poderão vir a ter de ser pagos pela maioria dos países desenvolvidos também. Esse é o problema.

O desdém com que se comportou ontem em Bruxelas é prova disto mesmo. Não que a Europa não mereça que se fale duro sobre a sua segurança, porque merece. A União Europeia foi sempre incapaz de encontrar mecanismos para criar uma verdadeira cooperação militar e para forçar os seus Estados-membros a investir decisivamente em segurança. A NATO foi sempre uma desculpa simpática que convidou à inacção, até porque os americanos sempre asseguraram os dois lados do acordo.

Sim, as críticas de Trump são verdadeiras. Mas essa é mais uma razão para não o dizer em público. Até porque, se tivesse estudado um bocadinho de História, saberia que esta dependência americana da NATO foi durante muitos anos estimulada por Washington – que assim reinava livremente sobre os destinos da Aliança e dispunha sobre os territórios dos aliados.

A outra razão para não dizer o que disse em público é que, se pretende efectivamente uma mudança, então deveria ter-se comprometido com a aliança em público, falando duro com a porta fechada. Assim arrisca-se a que muitos vejam a Aliança como condenada e que prefiram investir em defesa, mas noutro enquadramento. E arrisca-se a fortalecer os seus inimigos: por muito que Trump admire Putin e queira amizades com Xi JinPing, são estes os seus verdadeiros adversários.

O Presidente americano e os seus conselheiros diplomáticos podem bem apregoar a arrogância sobre os europeus, que até têm sofrido vários ataques terroristas. Mas o fenómeno é global e os Estados Unidos não lhe são imunes, como a viragem para este século bem demonstra. Trump faria bem em não tratar a NATO como uma mercearia de armamento. A aliança política, militar e económica do mundo livre pode bem vir a fazer falta aos Estados Unidos.

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