Expansão da rede do Metro: deixemo-nos de leviandades

O plano de expansão da rede do Metro de Lisboa é um erro, tanto em termos de obra como do serviço a prestar.

Depois de anúncios contraditórios, o Governo anunciou há dias o seu plano de expansão da rede do Metro de Lisboa, a ser implementado no período 2019-2022. Longe da megalomania do plano do Governo de José Sócrates em 2009, que previa a construção de 30 novas estações, o plano agora divulgado é relativamente modesto, acrescentando pouco mais de dois quilómetros de extensão e duas novas estações.

Apesar da grande ambição, com extensos prolongamentos para os concelhos vizinhos (que iam, por exemplo, para além da cidade de Loures), o plano de 2009 era absurdo, já que deixava de fora a parte ocidental da cidade de Lisboa (Ajuda, Restelo, etc.). Infelizmente, o plano de António Costa segue orientação semelhante, tendo como objetivo prolongar a linha Amarela a partir do Rato, não para oeste (como seria desejável), mas fazendo-a voltar para trás e ligar-se à linha Verde no Cais do Sodré, depois de estações na Estrela e em Santos. Diz-se que o objetivo é criar uma linha “circular” formada pelas duas referidas linhas. Defendida com grande entusiamo pelo atual presidente da câmara, Fernando Medida, esta opção é um erro, tanto em termos de obra, como do serviço a prestar.

A obra será caríssima (mais de cem milhões de euros por quilómetro) e com problemas de segurança, já que passa por baixo de edifícios muito frágeis e atravessa terrenos muito fracos. Além disso, vai obrigar a refazer os viadutos do Campo Grande (e gastar mais umas dezenas de milhões de euros), de modo que as referidas linhas possam ficar no enfiamento uma da outra. Mais: para obviar à grande pendente da calçada da Estrela, a estação terá que ficar a uns 40 metros de profundidade, com todos os problemas daí decorrentes.

No entanto, a linha resultante nada terá de “circular”, pois são duas linhas praticamente paralelas e a pequena distância uma da outra, cerca de um quilómetro. Uma linha assim, em vez de funcionar como elemento distribuidor para as outras (como dizem os seus mentores), vai é concentrar o tráfego, pelo que vai andar a abarrotar. Além disso, as linhas circulares têm problemas de operação, pois qualquer atraso de um comboio vai repercutir-se em cadeia nos seguintes. O maior óbice é, contudo, a rede fechar-se sobre si própria, em vez de expandir para novas zonas da cidade, de modo a captar novos utentes, não apenas nos movimentos pendulares da manhã e do fim da tarde, mas durante todo o dia.

A prioridade na expansão da rede do Metro de Lisboa deverá ser o seu prolongamento para a zona ocidental da cidade, da linha Vermelha, de São Sebastião (onde chega agora) para Alcântara, com estações intermédias em Campolide, Amoreiras e Campo de Ourique. Em Alcântara a estação deverá ser sobre a atual estação ferroviária de Alcântara-Terra, uma estação aérea, que é muito mais barato e evita interferências com o caneiro de Alcântara. A linha deverá ser depois prolongada ainda mais para ocidente, para o Restelo, a meia encosta, com estações ainda em Santo Amaro e Ajuda, formando uma verdadeira diagonal da cidade.

O prolongamento do Metro para Alcântara-Terra constituirá ainda uma oportunidade para resolver um dos grandes constrangimentos do sistema ferroviário da região de Lisboa, isto é, ligar adequadamente a linha de Cintura à linha de Cascais e ao terminal de contentores de Alcântara, de modo a acabar com a linha atual, que não tem condições de funcionamento, estando simplesmente a ocupar espaço à superfície. É inadmissível que, sendo o terminal de contentores de Alcântara para desenvolver (conforme dizem os responsáveis do setor), o seu acesso seja essencialmente através de camiões pela avenida de Brasília, o que está a transformar o pavimento dessa artéria numa autêntica “picada”.

Conforme venho defendendo publicamente há vários anos, essa ligação deverá ser realizada através de um túnel de via dupla, com cerca de 600 metros de extensão, iniciado através de uma rampa logo a seguir ao viaduto metálico de Alcântara (para não interferir com o caneiro), deslocalizando a atual estação de Alcântara-Mar para o lado de Cascais. Após passar por baixo da avenida 24 de Julho e fazer uma curva por baixo do terreiro em frente do Palácio das Necessidades, o túnel chega ao perímetro da atual estação de Alcântara-Terra, onde haverá uma nova estação, enterrada, ao lado da estação existente.

Isto é, as linhas de Cascais e de Cintura passam a estar interligadas mas com serviços independentes, o que dispensa a mudança da alimentação da linha de Cascais para corrente alterna (que é o que há na linha de Cintura e na restante rede), permitindo manter o material circulante existente nessa linha. Ao lado das estações de passageiros haverá uma linha para mercadorias, de modo a dar continuidade aos serviços nas duas linhas.

A linha de Cascais passará assim a ter términus no Cais do Sodré e também em Alcântara-Terra, onde se irá inserir na restante rede, e (através do Metro) se chegará facilmente ao plateau central, às Avenidas Novas, para onde se dirige a maior parte dos utentes dessa linha.

E quanto à linha Amarela do Metro, por que não levá-la também, um dia, até Alcântara? O prolongamento desta linha desde o Rato até Alcântara-Terra, com uma estação intermédia na Estrela, permitirá reforçar a interconexão da rede de uma forma muito barata, com as duas estações do Metro colocadas lado a lado, como no Campo Grande.

A cereja no topo do bolo será a ligação de todo este sistema ao Eixo Ferroviário Norte-Sul, no Alvito, dando, finalmente, utilidade àquela estação. Dada a distância (250 metros) e o desnível (cerca de 30 metros), essa ligação deverá ser materializada através de um sistema de rampas rolantes.

O espaço da estação de Alcântara-Terra, atualmente muito subaproveitado, deverá também ser reformulado, o que permitirá libertar espaço para parqueamento automóvel e criar um terminal de autocarros. Isto é, Alcântara-Terra passará a ser a grande placa giratória do sistema de mobilidade na zona ocidental de Lisboa, um autêntico “seis em um”.

Com o país endividado “até ao tutano”, com a maior dívida (per capita) do mundo (mais de 700 mil milhões de euros, quatro vezes o nosso PIB) e o Estado a pagar anualmente em juros mais de 8500 milhões de euros (10% dos nossos impostos), tem de haver muita racionalidade nos novos investimentos. Deixemo-nos de leviandades!

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

 

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