Pelo direito a morrer bem

Hoje vivemos cada vez mais e com melhor qualidade de vida. E morremos cada vez mais tarde, mas sem qualidade.

Preferimos morrer em casa, mas morremos nos hospitais. Queremos estar rodeados pelos que amamos mas falecemos à vista de desconhecidos, no desconforto do anonimato. Temos direito a cuidados paliativos, mas raramente vamos a tempo de os receber.

Morrer bem é um luxo para ricos? Não devia ser. Numa sociedade civilizada, tem de ser um direito adquirido. Se raramente é possível morrer com dignidade, tem de ser possível – e comum – morrer com tranquilidade. E é também para isso que o Sistema Nacional de Saúde existe.

Hoje vivemos cada vez mais e com melhor qualidade de vida. E morremos cada vez mais tarde, mas sem qualidade. Há trinta anos, menos de metade das mortes era causada por doenças crónicas; hoje já são mais de dois terços os óbitos provocados por elas. Isto quer dizer que a vida se prolonga e o combate à doença também, com o inevitável declínio de qualidade da existência. É urgente alargar a rede de cuidados paliativos, é imperativo aumentar a informação disponível e a transparência para com o doente. Todos precisamos de formação e de informação: profissionais de saúde, doentes, familiares. Não podemos continuar a fazer de conta que a forma como morremos não é um sinal da sociedade em que vivemos.

Durante séculos, a morte foi um exclusivo da religião. Depois passou para a esfera privada, quase sem ser falada para lá do circuito fechado. Continuamos a ter pudor em discutir o tema, e perdemos todos com isso. A medicalização da morte traz um problema. Estamos orientados para prolongar a vida tanto quanto podemos e nem sempre temos em conta que as preferências de cada um podem ser contrárias ao desejo de viver o máximo de tempo. A verdade é que os médicos nem sempre podem ser heróis e nem sempre se deve prolongar a vida para lá do que é suportável – acima de tudo, o doente deve ter o direito a escolher se e quando parar de lutar. Para isso, deve ser adequadamente informado dos sacrifícios necessários, do que está em causa e do cenário clínico real.

A eutanásia poderá entrar nesta discussão, mas não é sequer o centro do problema. A forma como deixamos os nossos cidadãos morrer revela o padrão como vivemos, mas como evitamos discutir esta realidade não estamos disponíveis para sequer pensar nela em termos individuais. Temos, todos, de ser mais exigentes. Temos direito a morrer bem, já é altura de o exigir.

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