Não confundir a árvore com a floresta

A propósito de estatísticas e veredictos de (in)sucesso a Matemática.

Foi publicado no início de Maio o relatório “Resultados escolares por disciplina – 2.º ciclo” da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC). Este estudo mostra que, entre os alunos que concluíram o 2.º ciclo em 2014/15, a Matemática foi a disciplina com maior percentagem de notas negativas (30%). Isto levou a que em certos meios se levantasse o discurso alarmista de que existiria uma situação desastrosa na Matemática.

No entanto, uma reflexão mais serena mostra que tal cenário não faz sentido. Em Dezembro de 2015 foram revelados os resultados dos estudos internacionais PISA e TIMSS. Estes confirmaram os progressos extraordinários e consistentes alcançados no ensino da Matemática ao longo dos últimos 15 anos. No PISA, Portugal está pela primeira vez acima do nível médio da OCDE. No TIMSS, específico para a Matemática ao nível do 4.º ano, Portugal está bastante acima da média, tendo ultrapassado a maioria dos seus parceiros europeus, em particular a sempre paradigmática Finlândia.

Como é possível a aprendizagem da Matemática em Portugal revelar progressos consistentes em estudos internacionais da máxima credibilidade e estar “em queda livre”, como se chegou a afirmar, no plano interno? A resposta é simples: não existe queda livre. Pelo contrário.

Embora o número de 30% de notas negativas no final do 6.º ano seja elevado, ele deve ser contextualizado. A realidade que ele reflecte é objectiva: as notas nos exames nacionais de Matemática do 6.º ano ao longo desta década tiveram uma percentagem de negativas entre os 44% e os 53%. Anómalo seria se o estudo da DGEEC revelasse números muito discordantes.

Por outro lado, o estudo da DGEEC é inédito: não existe qualquer estudo anterior com o qual possa ser comparado. Ele tira uma fotografia instantânea mas não permite afirmar nada sobre a evolução do que retrata.

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Assim, para se compararem dados relativos a anos anteriores é necessário recorrer a outro instrumento. E, para tanto, os dados quantitativos mais fiáveis são os exames nacionais. No gráfico ao lado apresenta-se a evolução da média final (a azul) e da percentagem de negativas (a vermelho) nas provas finais de 2011/12 a 2014/15. Observa-se que existiu até 2013/14 uma evolução negativa em ambos os indicadores, que foi invertida em 2014/15, o ano do estudo da DGEEC. Os resultados estão, portanto, a melhorar.

É importante notar que o ano lectivo de 2014/15 corresponde precisamente à conclusão do primeiro ciclo de funcionamento dos Novos Programas de Matemática (5.º e 6.º anos). A média nacional nos exames passou, nesse ano, de negativa a positiva, e a taxa de notas negativas baixou 9%. Esta melhoria não é, pois, uma flutuação estatística, mas a prova factual de que os novos documentos curriculares, mais modernos e estruturados, constituíram um importante progresso pedagógico. Temos, portanto, razão para acreditar na continuação da melhoria dos resultados a Matemática dos alunos portugueses.

Em segundo lugar, o estudo da DGEEC revela uma forte correlação entre o sucesso escolar e o nível socioeconómico: alunos de estratos mais baixos têm muito maior probabilidade de insucesso escolar.

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Trata-se de uma observação correcta, mas também não surpreendente. Convido o leitor a visitar o site do Iave e consultar os sumários executivos dos relatórios PISA e TIMSS. Deles constam mapas com a distribuição dos resultados nacionais (ver ao lado): a verde as regiões acima da média nacional, a vermelho as regiões abaixo da média. As regiões onde se obtêm resultados abaixo da média nacional correspondem a zonas economicamente deprimidas.

Nem mesmo o conhecimento desta realidade é um dado novo: os resultados dos exames nacionais revelam consistentemente as mesmas bolsas de fragilidade. O que deve chocar-nos é a falta de determinação das políticas públicas no ataque a este verdadeiro cancro educativo.

O que nos conduz a um terceiro e último ponto: a função da escola como ascensor social. Para muitas das crianças que vivem em zonas economicamente deprimidas e vindas de famílias carenciadas, a única forma de escapar ao círculo vicioso da pobreza é através da escola. Só estudando conseguirão superar o handicap social que trazem. Só com boas qualificações conseguirão um emprego diferenciado. Só com formação exigente conseguirão um nível de vida superior àquele de que partiram.

A única forma de termos uma escola que promova a igualdade e seja motor de ascensão dos menos favorecidos é fazendo dela uma escola competente e exigente, que dê muito mas também exija muito. É um erro achar que nivelar a escola por baixo promove a igualdade, porque todos atingem o mesmo nível. Pelo contrário: perpetua a desigualdade, porque os mais desfavorecidos terão muito mais dificuldades em o transcender.

É por isso com grande preocupação que a Sociedade Portuguesa de Matemática encara a preparação, actualmente em curso, de um conjunto de experimentalismos educativos sob a designação genérica de “Aprendizagens Essenciais”. Embora ninguém pareça saber exactamente em que consistem ou como se concretizarão, parecem ter na base um “emagrecimento curricular” em que até 25% do tempo lectivo, dependendo das escolas e dos professores, poderá ser atribuído a outras actividades (“projectos”). Disciplinas como a Matemática perderão fatalmente tempo lectivo e muitos dos conteúdos terão de passar a facultativos.

Mais do que emagrecimento, esta verdadeira anorexia curricular é um enorme risco para o ensino da Matemática, que é uma disciplina implacavelmente cumulativa. Os alunos não podem, sem grave prejuízo, passar a aprender menos, porque em Matemática menos é sempre menos, nunca é mais.

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