Blanchard já não quer corte nos salários e desaconselha descida rápida do défice

Ex-economista chefe do FMI vê Portugal num processo lento de retoma, em que já se verificam ganhos de competitividade e em que é preciso investir para garantir mais produtividade.

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Olivier Blanchard está preocupado com descida registada no investimento público em Portugal ENRIC VIVES-RUBIO

Passados 11 anos desde a sua análise profunda à economia portuguesa, o economista Olivier Blanchard já não defende que seja necessário o país proceder a um corte dos salários nominais para recuperar a competitividade do país e diz que o desempenho das exportações mostra que Portugal está a caminhar lentamente no bom sentido e que o melhor é não cortar o défice e dívida demasiado rápido e fazer investimentos que realmente aumentem a produtividade. Um perdão de dívida é visto como desaconselhável.

Presente em Portugal para participar na conferência “Portugal, Form Here to Where?”, o ex-economista-chefe do FMI fez, em conjunto com o economista Pedro Portugal, uma actualização do estudo que tinha publicado em 2006 sobre a economia nacional. Nessa altura, quando faltavam poucos anos para o deflagrar da crise financeira internacional e, depois, da crise da dívida soberana do euro, que lançou Portugal numa recessão profunda, Olivier Blanchard alertou para o problema de grande perda de competitividade que o país enfrentava e lançou uma proposta polémica: empresas, governo e trabalhadores chegarem a um entendimento para um corte acentuado dos salários nominais.

A proposta tinha como objectivo fazer com que, num cenário em que a política cambial estava indisponível, os produtos portugueses voltassem a ser competitivos, evitando que o país atravessasse um período longo de crescimento lento e desemprego alto. A ideia foi recebida de forma muito pouco entusiástica pelos responsáveis políticos portugueses, incluindo o então governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio.

Agora, passados 11 anos (que incluíram vários trimestres de recessão económica profunda, novos recordes na taxa de desemprego e um programa de resgate da troika), Blanchard voltou a analisar o país. E as recomendações que faz agora são bem diferentes das de 2006.

No estudo que apresentou esta sexta-feira na conferência, o economista francês já não considera necessário realizar cortes de salários nominais. Porquê? Porque a economia já se encontra noutra fase, de recuperação tímida, em que o problema já não está tanto na competitividade, mas sim na baixa produtividade. Blanchard mostra-se surpreendido com o desempenho das exportações nacionais e vê nisso um sinal de que se verifica uma recuperação da competitividade. E, num cenário em que o endividamento é tão elevado, um corte nos salários poderia tornar esse problema ainda mais crítico.

O cenário que antecipa neste momento é o de uma continuação lenta da retoma da economia, recomendando para isso que a consolidação orçamental não seja feita de forma muito rápida, especialmente não sacrificando o investimento público que, alerta, caiu para níveis demasiado baixos. Olivier Blanchard defende que se medidas como mais investimento tiverem um efeito positivo no crescimento credível, o eventual efeito negativo imediato nas contas públicas será compreendido pelos mercados.

O economista, que actualmente está no Peterson Institute for International Economics, desaconselha contudo que Portugal avance para uma reestruturação de dívida, dizendo que o país consegue gerir esse problema sozinho, mesmo quando as taxas de juro eventualmente ficarem mais elevadas.

Outras recomendações de política que deixa a Portugal é a resolução, mesmo com mais despesa pública, do problema do crédito malparado na banca e a realização de reformas no mercado dos produtos e, de forma prudente, no mercado de trabalho, com o objectivo de aumentar a produtividade.

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